A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES NA PRODUTIVIDADE AGROPECUÁRIA DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO SUL DO BRASIL

THE IMPORTANCE OF INSTITUTIONS IN AGRICULTURAL PRODUCTIVITY IN THE MUNICIPALITIES OF SOUTHERN BRAZIL

Caroline Todeschini, ORCID:https://orcid.org/0000-0002-6777-2203; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: carolinetdsc@gmail.com.

Antonio Carlos de Campos, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4626-7328.1. Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil. E-mail: accampos@uem.br.


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RESUMO

Este trabalho relaciona instituições da agropecuária da região Sul do Brasil com a produtividade do setor. O argumento deste paper reside no approach institucionalista, considerando as instituições como atores com capacidade de impactar a trajetória econômica. A metodologia inclui a elaboração de um indicador de produtividade por meio da lógica fuzzy e seu estudo pela análise de clusters e regressão linear a partir de dados do Censo Agropecuário 2006. Utilizando variáveis de assistência técnica, associativismo, qualificação e instituições de ensino como proxies, a análise de clusters mostrou que grande parte dos municípios da região Sul apresenta baixa produtividade da agropecuária e a análise de regressão indicou determinação positiva entre instituições e produtividade em quase toda região. Nesse contexto, a maior contribuição foi da variável assistência técnica, possível consequência da maior diversidade de instituições que prestam esse serviço e por ser uma atividade que gera resultados mais imediatos no rendimento dos fatores de produção, quais sejam terra, capital e trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Instituições. Produtividade agropecuária. Região Sul. Lógica Fuzzy.

 

ABSTRACT

This study relates agricultural institutions in the southern region of Brazil with productivity in the sector. The article’s argument is based on the institutionalist approach, considering the institutions as actors with the capability of impacting the trajectory of the economy. The methodology includes the elaboration of a productivity index through fuzzy logic and its study through clusters and linear regression based on data from 2006’s Agricultural Census. Using variables of technical assistance, association, qualification, and teaching institutions as proxies, the cluster analysis showed that part of the municipalities in the south presents low productivity of agriculture and the regression analysis indicated positive determination between institutions and productivity in almost all regions. In this context, the biggest explicative contribution was the technical assistance variable, a possible consequence of the greater diversity of institutions that provide this service and for being an activity that generates more immediate results in the return of the factors of production, namely soil, capital and labor. 

KEYWORDS: Institutions. Agriculture and Livestock Productivity. South Region. Fuzzy logic.

 

1 INTRODUÇÃO


A atividade agropecuária tem importância histórica na economia brasileira. Desde a época colonial, passando pelo período imperial, até a república, a economia do país dependeu quase que exclusivamente de commodities agrícolas para o bom desempenho de suas exportações. De acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária, ainda em 2022 os produtos dos diversos setores do agronegócio tiveram participação expressiva na balança comercial brasileira, representando 47% do total exportado pelo país, sendo 25% dessa fatia oriunda da região Sul do Brasil (MAPA, 2023).

No mesmo ano, o setor do agronegócio contribuiu com 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, sendo 18% proveniente do ramo agrícola e 7% do ramo pecuário. Considerando apenas o setor primário dentro desse cenário, a agricultura contribuiu com 4,3% do PIB brasileiro em 2022 ao passo que a contribuição da pecuária foi de 2,6% (CEPEA, 2023).

Esses resultados refletem a crescente produtividade do setor. Há cinco décadas a produtividade da agropecuária brasileira têm apresentado trajetória ascendente, registrando uma média anual de crescimento de 2,03% entre os anos 1970 e 2017. Nesse período, a produtividade foi responsável por 63,1% do aumento do produto do setor, de acordo com Gasques et al. (2023).

Para os autores, o crescimento da produção agropecuária está baseado principalmente no aumento da produtividade e relacionado positivamente com os investimentos em pesquisa de instituições públicas, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), as universidades e institutos federais e estaduais, além de políticas públicas voltadas ao setor (Gasques; Bastos; Bacchi, 2008; Gasques et al., 2010; 2023).

Nesse contexto, devido a sua importância para a economia brasileira, a agropecuária é frequentemente alvo de políticas públicas e iniciativas privadas, as quais são operacionalizadas por diversas instituições de apoio. Neste sentido, a argumentação, baseada na literatura, tem como pressuposto que as agências de pesquisas mais aderentes à agropecuária possibilitam parcerias, cooperações e consequentemente transferência de conhecimento (Dossa e Segatto, 2010). Com isso podem melhorar a produtividade da agropecuária de forma significativa  e a performance produtiva deste importante setor para a economia brasileira (Falema, Raiher e Ferreira, 2013). A problemática envolvida sobre este tema está na discussão da validade desta argumentação para o setor da agropecuária brasileira, mais especificamente para a da Região Sul do país. Ou seja, o problema de pesquisa está em evidenciar em que medida a maior interação e ações de cooperação entre estas instituições e o setor agropecuário influenciam em sua produtividade? Dentre as instituições de ensino, de pesquisa e de extensão, quais apresentam maior contribuição à elevação da produtividade no setor agropecuário na região em análise? Em quais estados da Região Sul do Brasil as instituições se revelam com maior protagonismo na dinâmica da produtividade da agropecuária? Sob esta perspectiva, o objetivo do trabalho é analisar a relação entre instituições de apoio à agropecuária do sul do Brasil e seu papel na produtividade do setor.

Para captar esses efeitos, a análise foi realizada para os municípios da região Sul do Brasil e o plano teórico da discussão assenta-se na escola institucionalista, a qual assume que as instituições têm a capacidade de influenciar o conhecimento tecno-produtivo do setor agropecuário, afetando sua trajetória tecnológica e, consequentemente, sua produtividade. Na ocasião da pesquisa, os dados disponíveis para análise eram do Censo Agropecuário 2006, o que, dada a característica de estabilidade das instituições ao longo do tempo, se mostram ainda pertinentes para a avaliação das políticas públicas ocorridas no setor desde então.

O presente trabalho está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. Na seção 2 faz-se um resgate teórico das principais correntes institucionalistas e a relação dos conceitos apresentados com o setor agropecuário. Na seção 3 apresenta-se os procedimentos metodológicos utilizados conduzindo o presente estudo para os resultados apresentados na seção 4. Por fim, são tecidas as considerações finais na seção 5.


2 INSTITUIÇÕES E AGROPECUÁRIA


2.1 ASPECTOS TEÓRICOS


Segundo os institucionalistas, a economia está relacionada com política, sociologia, leis, costumes e ideologia. Deve, assim, ser analisada como um todo, e não em pequenas partes isoladas, haja vista a existência de padrões de ação coletiva que são maiores que o comportamento individual das partes. A chamada escola institucionalista pode ser dividida em três correntes principais: os chamados velhos institucionalistas, os neo-institucionalistas e a Nova Economia Institucional (NEI). Veblen (1983), representante do velho institucionalismo, argumenta que a evolução da sociedade é um processo de adaptação mental dos indivíduos sob a pressão de circunstâncias que não admitem mais hábitos mentais formados a partir de circunstâncias passadas. Assim, os hábitos de hoje tendem a permanecer indefinidamente, exceto quando as circunstâncias forçam uma mudança. Para o autor, principalmente no caso da comunidade industrial moderna, as forças que levam ao reajustamento das instituições são quase inteiramente econômicas.

Utilizando a linha de raciocínio de Veblen, pode-se analisar a forma de produzir dos trabalhadores da agropecuária. Tendo o crescimento da indústria e a modificação das exigências dos consumidores como incentivo econômico, muitos produtores modificaram suas técnicas de trabalho. Quantos conseguem se adaptar aos novos cenários e quantos são deslocados para outras atividades é um questionamento válido quando se considera o possível caráter conservador do setor. As técnicas de produção na agropecuária comumente são passadas entre gerações, porém, os produtores que mantiverem o conservantismo em detrimento da adaptação ao novo ambiente podem não sobreviver no mercado. Também há que se considerar a integração de produtores com a agroindústria, que pode excluir os considerados menos eficientes, expulsando-os para outras culturas ou atividades, dada a dificuldade de competição nesse cenário.

Nessa mesma vertente institucionalista encontra-se o trabalho de Commons (2003), segundo o qual instituição é uma ação coletiva que controla, libera e amplia a ação individual. A ação coletiva inclui dos costumes não organizados até os diversos interesses em marcha, como a família, a corporação, o sindicado e o Estado. Considerando os “diversos interesses em marcha” de Commons, o produtor da agropecuária pode escolher fazer parte de um grupo a fim de se proteger contra as oscilações do mercado, por meio de acesso mais facilitado ao crédito, melhores condições de negociação com fornecedores e compradores, obtenção de certificação, aquisição de conhecimento e informação e conquista de direitos.

Dando continuidade ao pensamento do institucionalismo norte-americano, surgiu, nos anos 1960, a corrente neo-institucionalista. Dentre os autores que mais se destacaram está Hodgson (2001), que define instituições como sistemas duradouros de regras sociais que estruturam a interação social. São exemplos de instituições a moeda, a lei, o sistema de pesos e medidas, as empresas e outras organizações. O mercado também é uma instituição, na medida em que envolve normas sociais, costumes, relações de troca instituídas e redes de informação. Com base nas ideias de Hodgson, Belik et al. (2007) afirmam que as organizações corporativas se caracterizam como um instrumento de controle social, na medida em que são instituições formadas por interesses individuais, mas que esses últimos também sofrem influência dos interesses de grupo. O neocorporativismo sugere que os grupos de interesse são baseados na função de seus membros na divisão social do trabalho, e não a partir de sua posição na classe social. Nesse enfoque, é possível analisar a interação de agências públicas e grupos de interesse em base setorial, não agregando amplos interesses de classe.

Considerando os novos institucionalistas, a Nova Economia Institucional (NEI) também avançou a partir da década de 1960 e dentre seus principais autores está Douglass North. North (1991) argumenta sobre a importância das instituições na determinação do desempenho econômico de um país. De forma bem estruturada, o autor distingue dois tipos de instituições: as formais, representadas pelas leis e regulamentos, e as instituições informais, como as normas e práticas sociais. A partir desta perspectiva, segundo o autor, as instituições determinam o desempenho econômico de um país ou de uma região, influenciando diretamente em sua performance. Além disso, as instituições formais proporcionam graus de estabilidade e previsibilidade aos agentes econômicos, o que, por sua vez, estimula investimentos, inovações e, consequentemente, a elevação da produtividade. Já as instituições informais, as quais também desempenham importante papel na sociedade, mudam o comportamento das pessoas de maneira tão ou mais significativa que as próprias instituições formais. Segundo o autor, são normas sociais e valores culturais que podem influenciar as escolhas individuais e que, por sua vez, afetam o funcionamento do mercado e o próprio desenvolvimento econômico de uma sociedade. Neste contexto, North (1991) destaca que o conceito de path dependence refere-se à ideia de que os resultados atuais e futuros estão condicionados pelas decisões e eventos passados.

Em outro estudo mais específico, North (1990) afirma que organizações incluem organismos políticos (partidos, parlamento, agências reguladoras), econômicos (empresas, sindicatos, cooperativas, agricultura familiar), sociais (igrejas, associações atléticas) e educacionais (escolas, universidades). Para o autor, organizações surgem propositadamente em consequência das oportunidades resultantes do conjunto de restrições e, na tentativa de alcançar seus objetivos, representam agentes de mudança. Quanto às restrições identificadas pelo autor, destacam-se as informais (sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta), as quais refletem as características de uma sociedade, implicando na dinâmica do processo inovativo. Por outro lado, situações de enforcement atuam geralmente no sentido positivo, ou seja, são normas formais as quais exigem que se cumpram determinadas medidas, por força de Lei. 

Segundo North (1991) o conceito de "enforcement" se relaciona com o papel das instituições na garantia e aplicação das regras e normas que governam as atividades econômicas. Por meio do enforcement, as instituições moldam o comportamento dos agentes, o que é crucial para assegurar o bom funcionamento dos mercados e a estabilidade econômica. Acrescenta-se a isso que a qualidade do enforcement tem implicações significativas para o desenvolvimento econômico de um país ou região, enquanto sua eficácia estimula investimentos, inovação e crescimento econômico. Em linhas gerais, o conceito de enforcement desempenha um papel central na compreensão de como as instituições moldam o comportamento econômico, estruturam o ambiente institucional, onde atuam as organizações, e influenciam o desenvolvimento de sociedades.

Para Zylbersztajn (2000), as organizações se adaptam ao ambiente institucional e, ao mesmo tempo, podem modificá-lo, adequando aos seus interesses. É nesta perspectiva que as organizações inseridas em ambientes institucionais são os atores determinantes da dinâmica produtiva de qualquer atividade econômica. Portanto, de acordo com Saes (2000), o resultado da interação entre os indivíduos representativos das organizações possibilita a tomada de decisões mais eficientes para se alcançar objetivos que são comuns.

Nesse contexto, corroborado as análises de North (1991), Zylbersztajn e Sztajn (2005) afirmam que as regras de conduta modelam as relações interpessoais e o ambiente institucional. Assim, as instituições impactam e são impactadas pelo Direito, pela Economia e pelas organizações.

No que se refere ao ambiente institucional do setor agropecuário, pode-se considerar que as cooperativas e associações, instituições de ensino e de pesquisa e extensão, por exemplo, constituem-se como organizações, na medida em que as primeiras consistem na união de indivíduos diferentes para alcançar um objetivo comum (Saes, 2000) e as últimas envolvem a definição de que tipo de conhecimento será desenvolvido e repassado, determinando os resultados de curto e longo prazos das técnicas e insumos utilizados.

Além disso, pode-se ter em conta nesse contexto as organizações com as quais o produtor rural tem contato direto em sua busca por conhecimento. As instituições de ensino e agências de pesquisa e extensão rural, bem como as cooperativas agropecuárias, têm a possibilidade de conduzir o aprendizado dos produtores para técnicas, produtos, processos e até mesmo formas de comercialização específicas. Essas organizações também podem desenvolver projetos que visem a busca de conhecimento por parte dos produtores, contribuindo para a independência informacional deles. Somado a isso, produtores com menor nível de instrução formal podem ter maior dificuldade em aprender novas técnicas, adotar medidas de gestão ou ainda em tomar decisões por conta própria. Portanto, a informação que o produtor recebe e interpreta é um fator relevante na sua tomada de decisão presente, na medida em que elas impactam na evolução da trajetória histórica do setor (Dosi, 1982).

 

2.2 EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

 

Tendo em vista esse contexto institucional, a tecnologia da agropecuária é considerada multidisciplinar e sua convergência não é um processo totalmente coordenado. Para Possas, Salles-Filho e Silveira (1994), as fontes de mudança tecnológica na agropecuária podem ser analisadas de forma interna e externa. A primeira está relacionada às fontes de inovação no setor, como instituições públicas e privadas, organizações sem fins lucrativos e a própria unidade produtiva. Já à análise externa está relacionada às políticas agrícolas, às pressões ambientais, avanços da biologia e novos padrões de consumo.

No contexto da análise interna, Dossa e Segatto (2010) investigaram a parceria entre a Embrapa e instituições de ensino no Brasil, mostrando que dentre os resultados obtidos com essas cooperações estão a inovação de produtos e processos, o aprendizado e acúmulo de experiências, a elaboração de novos projetos, a otimização de recursos e a redução de riscos e de tempo gasto. Nessa mesma linha, tendo em vista a importância do conhecimento na produtividade, Dill et al. (2015) concluíram que o acesso à internet, a participação em associações de produtores e o recebimento de assistência técnica podem impactar positivamente os resultados do setor agropecuário.

Felema, Raiher e Ferreira (2013) mostraram que a agropecuária das regiões Sul e Sudeste do Brasil têm maior produtividade da terra e do trabalho que as demais regiões e que a maioria dos municípios brasileiros tem baixo índice de produtividade. Os insumos agrícolas e a mecanização apresentam influência sobre o desempenho do setor no maior número de estados brasileiros e o acesso ao conhecimento por parte dos trabalhadores pode impactar positivamente a produtividade da agropecuária do país. Esses resultados corroboram os encontrados por Gasques, Bastos e Bacchi (2008) e de Gasques et al. (2010).

Em uma pesquisa mais recente, Felema e Spolador (2023) a partir da decomposição da Produtividade Total dos Fatores (PTF) observaram um crescimento da PTF, especialmente por conta da expansão da fronteira agrícola. Além disso, também revelaram que a eficiência técnica mostrou-se positivamente relacionada com a elevação da PTF, juntamente com a adoção de novas tecnologias, facilitadas pela proximidade espacial (vizinhança). Nesta mesma linha de análise, Gasques et al., (2023) também evidenciaram que a PTF no Brasil, para um período mais longo (46 anos), foi superior à média mundial (3,31% contra 1,12% ao ano, respectivamente). Esta performance, segundo os autores, está associada aos preços recebidos e pagos pelos produtores, crédito rural e aos gastos com pesquisas.

De forma mais específica, Torres (2023) analisou diferentes trabalhos sobre os investimentos em pesquisa e a produtividade da agropecuária brasileira. Evidenciou uma forte convergência sobre os elevados retornos da pesquisa agrícola e seus impactos positivos sobre a produtividade do setor. Por outro lado, Aragão (2023) analisou o sistema nacional de pesquisa agropecuária. Neste caso, o autor indicou fragilidades em sua implementação, especialmente na incapacidade de integrar e coordenar organizações públicas de P&D agropecuário, notadamente a Embrapa, quanto aos instrumentos de coordenação do sistema como um todo. Apesar das diversas pesquisas sobre o tema, ainda há uma lacuna na literatura que evidencie a importância de diversas instituições ligadas à agropecuária, especialmente de forma segmentada e regionalizada, na performance da produtividade do setor. Por conta disso, este trabalho torna-se relevante e acrescenta novos resultados à literatura existente.

METODOLOGIA

 

No presente trabalho, foi elaborado um indicador de produtividade para a agropecuária da região Sul do Brasil por meio da lógica fuzzy. Em seguida, esse indicador foi observado por meio de análise de clusters e regressão linear múltipla. Tanto os dados para elaboração do indicador de produtividade, quanto os demais dados utilizados nas regressões são referentes ao Censo Agropecuário do ano de 2006[1] e obtidos no Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA, 2020).

 

3.1 LÓGICA FUZZY

 

É crescente o número de trabalhos que utilizam a lógica fuzzy para avaliar o desempenho do setor agropecuário, a exemplo de Khatchatourian e Treter (2010), Lima et al. (2012), Bagolin et al. (2013) e Conde et al. (2014). Algumas vantagens dessa metodologia que podem ser destacadas são que, diferentemente da PTF, ela não depende de valores de anos passados, e permite agregar mais variáveis além dos fatores de produção e possibilita classificar os indivíduos observados de forma comparativa dentro do grupo. De acordo com Simões e Shaw (2007), o mundo real não é bivalente e, nesse sentido, o objetivo da lógica fuzzy é capturar diferentes graus de verdade, trabalhando com incertezas de forma sistemática e rigorosa. A propriedade fundamental da lógica fuzzy é que a função de pertinência tem todos os valores dentro do intervalo [0,1], o que equivale a afirmar que um elemento pode ser membro parcialmente de um conjunto, sendo representado por um valor fracionário. Essa metodologia difusa baseia-se no fato de que os conjuntos possuem limites imprecisos, onde a transição de não pertinência para pertinência é gradual (Simões; Shaw, 2007).

No presente trabalho, a lógica fuzzy foi utilizada a fim de sanar a ambiguidade existente entre “mais produtivo” e “menos produtivo”, considerando a atividade agropecuária dos municípios em análise. Entende-se que os municípios podem se situar em diferentes graus de produtividade em vez de poderem ser divididos em dois grupos nítidos. Nesse sentido, de acordo com COX (1994), uma vez quantificado, o termo assume um grau de utilidade computacional promovendo-se de indistinto para difuso.

Conforme descrito por Atanassov (2017), em 1965, Zadeh introduziu o conceito de conjuntos fuzzy, que se firmaram como método de avaliação de objetos e processos na natureza e na sociedade. Nesse contexto, os conjuntos fuzzy tornaram-se alvo de extensões e, mais recentemente, alguns autores introduziram o termo “conjunto fuzzy tipo 1” (T1FS) para se referirem ao conjunto fuzzy de Zadeh, utilizado no presente trabalho. De acordo com Zadeh (1965), um conjunto fuzzy é caracterizado por uma função que atribui a cada objeto uma nota da adesão que varia entre 0 e 1. Seja X um espaço de pontos (objetos), com um elemento genérico de X indicado por x, tem-se que X = {x}. Um conjunto fuzzy (classe) A em X é caracterizado por uma função fA(x), que associa a cada ponto em X um número real no intervalo [0,1] com o valor de fA(x), em que x representa o grau de adesão de x em A. Assim, quanto mais próximo de 1 o valor de fA(x), maior o grau de pertinência de x em A.

As funções de pertinência pressupõem que as variáveis sejam equidistantes umas das outras e assumam proporcionalidade direta entre os elementos do domínio e com o grau de adesão. Nesse contexto, existem duas classes principais de representações lineares. Primeiro, a especificação trapezoidal, postula a escolha de dois valores limiares maiores que o valor mínimo de x e menores que o valor máximo. Segundo, a função linear básica depende exclusivamente dos valores extremos da variável x (Lelli, 2001).

No presente trabalho, optou-se por elaborar um indicador de produtividade da agropecuária por meio da lógica fuzzy a fim de tornar possível uma análise por município da região Sul do Brasil. Para tanto, foi utilizada a representação linear básica descrita por Lelli (2001), conforme a Equação (3.1).

 

 

Onde xij é o índice de produtividade do município i no atributo j; a é a produtividade do município i no atributo j em termos absolutos; amin é o menor valor e amax o maior valor de produtividade no atributo j, em termos absolutos, no conjunto dos municípios em análise. Ou seja, a produtividade dos fatores de produção terra, capital e trabalho da agropecuária dos municípios em análise constitui o domínio do conjunto fuzzy. Os limites inferior e superior do domínio são considerados pelo menor e o maior valor de produtividade encontrados, respectivamente.

Para a construção do indicador de produtividade para cada município (yi), foram utilizadas três proxies de produtividade da agropecuária, representando três atributos (j): rendimento da terra, rendimento do capital e rendimento do trabalho. O rendimento da terra foi obtido por meio da divisão do valor da produção da agropecuária municipal pela área dos estabelecimentos em hectares. O rendimento do capital foi obtido através da divisão do valor da produção pelo valor dos “bens imóveis” (prédios, imóveis e outras benfeitorias) e “outros bens” (veículos, tratores, máquinas e implementos) dos estabelecimentos agropecuários, conforme classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No que tange o rendimento do trabalho, este foi calculado dividindo-se o valor da produção agropecuária pela População Economicamente Ativa (PEA) do setor.

Cox (1994) destaca que nos modelos difusos é possível ponderar a importância das variáveis fornecendo um multiplicador de pesos, que concentrará a força do conjunto de acordo com a ponderação definida. Para Lelli (2001), a noção de frequência também é considerada útil para definir os graus de adesão com relação à distribuição dos elementos na população analisada. Uma maneira de aplicar isso é levar em consideração o grau de privação do atributo analisado e derivar um grupo de operadores de média ponderada. Assim, quanto menor a presença de determinada característica nas unidades em análise, maior o peso (w) dela na formulação do indicador, uma vez que a unidade que possuí-la estará comparativamente acima das demais. Assim:

 

 

Onde wj é o peso do atributo em análise e n é o número de observações.

O indicador de produtividade de cada município considerando todos os atributos é dado pela Equação (3.3), que representa uma média ponderada pelos pesos.

 

 

Sendo yi o indicador fuzzy de produtividade para cada município i. Portanto, yi varia entre 0 e 1, e quanto mais próximo de 1, maior a produtividade da agropecuária do município em questão (i). A análise do indicador de produtividade agregado por estado ou mesmo para toda a região Sul pode ser obtida pela média aritmética dos indicadores dos seus municípios integrantes.

 

3.2 ANÁLISE DE CLUSTERS

 

A Análise de Clusters envolve técnicas e algoritmos para encontrar e separar objetos em g grupos (clusters), dada uma amostra de n objetos, cada um deles medido em p variáveis (Favero, 2009; Corrar, Paulo, Dias Filho, 2012). No presente trabalho, foi utilizada a Distância Quadrática Euclidiana como medida de similaridade, que consiste na distância entre duas observações (i e j) correspondente à soma dos quadrados das diferenças entre i e j para todas as p variáveis (Favero, 2009).

Como algoritmo de agrupamento foi utilizado o procedimento hierárquico, método aglomerativo, com o método da Distância Média, ou Ligação Média (Average Linkage ou Between Groups), para a formação de clusters. Os procedimentos hierárquicos consistem na construção de uma hierarquia semelhante a uma árvore. No método aglomerativo, cada observação consiste em um grupo inicialmente, combinando-se com outros grupos nas etapas seguintes. O Between Groups trata a distância entre dois grupos como a média da distância entre todos os pares de seus elementos, buscando aglomerar agregados com a menor distância média. Essa técnica tem a vantagem de utilizar todos os elementos do conjunto ao invés de um único par de valores extremos (Favero, 2009). Uma opção de regra de parada, utilizada neste trabalho, consiste em observar os valores sucessivos da medida de distância. Quando um grande incremento ocorre, seleciona-se a solução anterior baseando-se na lógica de que a última combinação causou substancial decréscimo na similaridade (Corrar, Paulo, Dias Filho, 2012).

 

3.3 REGRESSÃO LINEAR MÚLTIPLA

 

O modelo de regressão linear múltipla é utilizado para estudar a relação entre uma variável dependente (Y) e uma ou mais variáveis independentes (X). Neste trabalho, com o objetivo de avaliar o papel das instituições na produtividade da agropecuária, as regressões relacionam a produtividade do setor agropecuário (yi) como variável dependente das variáveis listadas no Quadro 1. A ideia é captar os efeitos das instituições no desempenho da agropecuária, uma vez que envolvem serviços voltados à melhoria da eficiência tecnológica, como ensino, pesquisa, extensão, assistência técnica e associativismo. Foram estimadas duas regressões para cada estado e para região Sul como um todo, uma incluindo as cooperativas na oferta de assistência técnica e outra não.

Tendo em vista que as atividades de pesquisa, ensino e extensão das universidades muitas vezes não se restringem ao seu município sede, os municípios vizinhos aos que possuíam curso de nível superior relacionado à agropecuária em 2006 também receberam valor 1 para a variável “D_ens”, sendo que os demais municípios receberam valor 0. As informações sobre cursos superiores foram obtidas no portal E-Mec (2023) e se referem aos seguintes cursos: Agronomia, Engenharia Agrícola, Engenharia de Aquicultura, Engenharia de Pesca, Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Zootecnia.

As variáveis “Finan” e “Insum” foram incluídas no modelo como variáveis de controle, a fim de evitar viés dos parâmetros devido a variáveis omitidas. No que se refere aos sinais esperados baseados na literatura supõe-se que quanto mais eficientes forem os fatores de produção, menos insumos precisam ser utilizados para se obter um bom rendimento. Neste caso espera-se que a relação entre a despesa com insumos e produtividade seja inversa. Com relação às demais variáveis, espera-se que seus parâmetros apresentem sinais positivos, indicando que quanto maior sua presença, maior a produtividade da agropecuária. Esse resultado corroboraria a hipótese de que as instituições da agropecuária contribuem de forma positiva com o desempenho do setor nos estados da região Sul do Brasil.

 

Quadro 1 – Descrição das variáveis explicativas

Variável

Descrição

Representação

Sinal esperado

Autores de referência

Assis

Porcentagem de estabelecimentos agropecuários do município que receberam assistência técnica, independentemente da fonte de prestação do serviço.

X2i

+

Dossa e Segatto (2010);

Dill et al. (2015).

Assis’

Porcentagem de estabelecimentos agropecuários do município que receberam assistência técnica, exceto os casos em que foi prestada por cooperativas.

X2i

+

Assoc

Porcentagem de estabelecimentos agropecuários do município em que o produtor era associado a uma cooperativa ou entidade de classe.

X3i

+

Dill et al. (2015).

Qualif

Porcentagem do pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários do município que possuía qualificação profissional.

X4i

+

Dossa e Segatto (2010);

Felema, Raiher e Ferreira (2013);

Dill et al. (2015).

D_ens

Variável binária indicando os municípios que possuíam curso de nível superior relacionado à agropecuária em 2006, bem como seus vizinhos.

D1i

+

Finan

Porcentagem de estabelecimentos agropecuários do município que obtiveram financiamento.

X6i

+

Gasques et al., (2010; 2023).

Insum

Razão entre despesas com insumos e valor da produção do estabelecimento.

X7i

Felema, Raiher e Ferreira (2013).


Fonte: Elaboração própria.

 

Para as equações estimadas para a região Sul, foram incluídas ainda duas variáveis binárias: uma para os municípios de Santa Catarina (D2i) e outra para os municípios do Rio Grande do Sul (D3i), sendo o estado do Paraná utilizado como categoria de referência. Foram feitos os logaritmos das variáveis dependente e independentes a fim de melhorar o ajuste do modelo e poder analisar as relações em termos percentuais. Os parâmetros foram considerados estatisticamente significativos ao nível de 10%. Assim, os modelos de regressão (MQO) estimados para a região Sul foram:

 

 yi = β+ β2X2i + β3X3i + β4X4i + β5D1i + β6X6i + β7X7i + β8D2i + β9D3i + ui                                                                                                                                        (3.6)

 

 yi = β+ β2X2i + β3X3i + β4X4i + β5D1i + β6X6i + β7X7i + β8D2i + β9D3i + ui                                                                                                                                      (3.6’)

 

Já as regressões utilizando o indicador de produtividade calculado com base nas informações dos municípios de cada estado [y(e)] são descritas pela Equações 3.7 e 3.7’:

 

yei = β+ β2X2i + β3X3i + β4X4i + β5D1i + β6X6i + β7X7i + ui                         (3.7)

 

yei = β+ β2X2i + β3X3i + β4X4i + β5D1i + β6X6i + β7X7i + ui                         (3.7’)

 

 

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

As informações de estatística descritiva dos fatores de produção e do indicador de produtividade para cada estado [y(e)] e para a região Sul como um todo (y), após a exclusão de outliers, são ilustradas na Tabela 1. É possível observar que, ao considerar o indicador de produtividade para a região Sul como um todo (y), o estado que apresentou maior média (y) foi o Paraná (0,1737), seguido por Santa Catarina (0,1730), os quais ficaram acima da média regional (0,1684). Tanto o valor mínimo (0,0030) quanto o valor máximo (0,7176) de y pertencem ao estado do Paraná, o que justifica seu maior desvio-padrão (0,1023).

 

Tabela 1 – Estatística descritiva das variáveis rendimentos da terra (S), do capital (K) e do trabalho (L), Produtividade (y) para região Sul e Produtividade estimada para os estados [y(e)]

 

 

Rend. S

Rend. K

Rend. L

y

y(e)

PR

Média

1.205,02

0,90

17.213,74

0,1737

0,1897

Mediana

1.011,36

0,73

13.406,22

0,1478

0,1640

Mínimo

18,76

0,07

548,48

0,0030

0,0000

Máximo

5.068,87

5,87

81.572,17

0,7176

0,7969

Desvio-padrão

804,76

0,69

12.325,31

0,1023

0,1123

 

n = 394

 

 

 

 

 

 

Média

1.761,02

0,68

14.825,77

0,1730

0,2418

 

Mediana

1.477,22

0,58

12.540,59

0,1536

0,2176

SC

Mínimo

55,15

0,03

1.815,50

0,0154

0,0165

 

Máximo

6.275,22

2,63

64.597,11

0,5731

0,8039

 

Desvio-padrão

1.207,98

0,39

9.421,18

0,0938

0,1330

 

n = 289

 

 

 

 

 

RS

Média

1.512,33

0,62

15.674,31

0,1616

0,2065

Mediana

1.250,00

0,56

11.706,67

0,1389

0,1786

Mínimo

92,23

0,06

1.009,51

0,0178

0,0190

Máximo

6.898,93

2,48

80.388,10

0,5620

0,7363

Desvio-padrão

1.087,56

0,32

12.391,41

0,0825

0,1072

 

n = 489

 

 

 

 

Sul

Média

1.470,34

0,73

15.982,59

0,1684

-

Mediana

1.207,01

0,61

12.390,01

0,1459

-

Mínimo

18,76

0,03

548,48

0,0030

-

Máximo

6.898,93

5,87

81.572,17

0,7176

-

Desvio-padrão

1.056,54

0,50

11.743,12

0,0925

-

 

n = 1172

 

 

 

 

 


Fonte: Resultados da pesquisa.

 

Esse melhor desempenho do estado do Paraná no indicador de produtividade é resultado de seus rendimentos do capital e do trabalho. Isso ocorre porque essas variáveis foram as que obtiveram maior peso no cálculo de y. Lembrando que a lógica fuzzy pondera seu indicador de acordo com a escassez relativa dos quesitos analisados, sendo que os rendimentos do capital e do trabalho se mostraram mais escassos do que o rendimento da terra na região Sul. O estado do Paraná, por obter melhor desempenho nesses fatores, mostrou-se mais produtivo comparativamente aos demais estados da região. Esse fato corrobora os achados de Gasques, et al. (2010; 2023) de que o aumento da produtividade da agropecuária brasileira está associado ao aumento da produtividade da mão de obra ligada à maior qualificação dos trabalhadores rurais. Também Dossa e Segatto (2010) ressaltaram que o aprendizado e o acúmulo de experiências impactam positivamente na produtividade agropecuária, bem como Felema, Raiher e Ferreira (2013) analisando o acesso ao conhecimento por parte dos produtores, o que respalda a importância do capital humano encontrada nos resultados.

Ressalta-se que a utilização da representação linear básica na lógica difusa tornou necessária a exclusão de municípios com valores outliers a fim de viabilizar a análise do indicador. A exclusão desses municípios tornou os resultados de produtividade mais homogêneos e não viesados. Por sua vez, o uso da ponderação por meio da escassez relativa mostrou-se interessante como ferramenta de comparação de produtividade entre os diferentes fatores de produção.

Com o propósito de verificar se existem diferenças significativas entre os municípios sulinos quanto ao nível de produtividade da agropecuária e também para melhor visualizar a distribuição geográfica dos valores de y, foi realizada uma análise de clusters. Os resultados apontaram para formação de 4 clusters (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Caracterização dos clusters de Produtividade (y) para a região Sul

 

Cluster 1

Cluster 2

Cluster 3

Cluster 4

Nº de municípios

180

950

39

3

Média de produtividade (y)

0,2832

0,1330

0,4613

0,6770

Média assistência técnica (%)

58,08

49,73

53,83

40,06

Média associativismo (%)

57,16

54,89

53,58

33,01

Média financiamento (%)

34,90

35,50

30,53

27,58

Média qualificação (%)

  7,09

  4,86

  6,57

   4,61

Média insumos (%)

21,71

31,95

23,09

25,30


Fonte: Resultados da pesquisa.

 

Verificou-se que o Cluster 2 foi o grupo que apresentou maior número de municípios (950) representando 81% da amostra e também a menor média do indicador de produtividade (0,1330). O Cluster 1, por sua vez, foi o segundo em número de municípios (180) e em produtividade, considerando uma ordem crescente. Em seguida, evidenciou-se o Cluster 3, com 39 municípios, finalizando com o Cluster 4, com apenas 3 municípios. Esses resultados convergem com os encontrados por Felema, Raiher e Ferreira (2013) de que a maioria dos municípios brasileiros apresentam baixo índice de produtividade da agropecuária. Uma possível justificativa para este resultado podem ser as dificuldades de implementação e coordenação de pesquisas agropecuárias citadas por Aragão (2023). Isso pode ser um sinal de problemas no ambiente institucional (Zylbersztajn; Sztajn, 2005) com fraca eficácia do enforcement (North, 1991), além de denotar um lento reajustamento de instituições na ausência de pressões circunstanciais, conforme previsto por Veblen (1983).

Além disso, constatou-se que a concentração do maior número de municípios em dois clusters é um reflexo da relativa homogeneidade observada no indicador de produtividade. Não obstante, a análise de clusters permitiu distinguir grupos estatisticamente distintos de municípios, o que indica que a lógica difusa foi eficaz na definição de pertinência entre conjuntos.

Com base nas análises de Dill et al. (2015), Felema e Spolador (2023) e Torres (2023), parte-se da hipótese de que as instituições da agropecuária contribuem para aumentar o indicador de produtividade do setor, e espera-se que quanto maior a média da produtividade no cluster, mais elevada seja a média das variáveis relacionadas à assistência técnica, associativismo, financiamento e qualificação, e menor a média da variável insumos. Desse modo, a expectativa era de que o Cluster 2 apresentasse os menores valores para variáveis proxies de instituições e para o financiamento, e o maior valor percentual de uso de insumos. Analogamente, esperava-se que o Cluster 4 apresentasse os maiores valores para as variáveis proxies de instituições e para financiamento, e o menor valor para o percentual de uso de insumos. Esses resultados encontrados, porém, foram divergentes dos esperados[2].

A fim de demonstrar geograficamente a distribuição dos clusters do indicador de produtividade, elaborou-se o Mapa 1, ilustrando os municípios associados aos clusters encontrados. Uma vez que o Cluster 2 foi o que apresentou menor média da produtividade, considerou-se melhor para fins didáticos ilustrá-lo com a cor mais clara. Também foram ilustrados no Mapa 1 os municípios que em 2006 possuíam uma unidade descentralizada da Embrapa ou um curso de nível superior relacionado à agropecuária. As unidades de instituições estaduais voltadas à agropecuária, como empresas de assistência técnica, pesquisa e cooperativas, não foram ilustradas por estarem presentes em quase todos os municípios da região, o que dificultaria a análise visual.

 

Mapa 1 – Distribuição geográfica dos clusters de Produtividade (y)

 

Fonte: Resultados da pesquisa.

De acordo com o Mapa 1, percebe-se que os clusters 1, 2 e 3 têm representantes nos três estados do Sul. Porém, os municípios que formam o Cluster 4 são todos do Paraná: Imbaú, Marilândia do Sul e Rio Bom. Observou-se também que a maioria dos municípios da região Sul encontram-se no Cluster 2, com a menor média de produtividade. Os municípios dos clusters 1 e 3 estão dispersos, não havendo concentração em uma região específica[3].

Na região Sul do Brasil, a Embrapa contava em 2006 com sete unidades descentralizadas, sendo quatro no Rio Grande do Sul, duas no Paraná e uma em Santa Catarina. Por meio do Mapa 1 percebe-se que a maioria dos municípios que possuíam uma unidade descentralizada da Embrapa ou um curso de nível superior voltado à agropecuária no ano de 2006 se encontram no Cluster 2, o qual tem a menor média de produtividade. Porém, a quase totalidade deles é vizinha de municípios que se encontram em clusters com indicador de produtividade mais elevado. Esse fato pode ser um indicativo de que os benefícios para a produtividade da agropecuária oriundos dessas instituições são captados pelos municípios vizinhos, uma vez que as zonas rurais podem ser próximas ou que grandes centros urbanos, geralmente possuidores de fortes instituições de pesquisa e extensão, podem não dispor de ampla zona rural para aplicação de seus experimentos. Esse efeito da facilitado pela proximidade espacial corrobora os achados de Felema e Spolador (2023).

Considerando o Cluster 4, o município de Imbaú, localizado na região Centro Oriental do Paraná, apresentou, em 2006, 89% do valor de produção agropecuária oriundo da silvicultura. Uma provável justificativa para esse percentual é a relação do município com uma fábrica de papel e celulose com unidade produtiva no município vizinho de Telêmaco Borba (outlier excluído). Segundo informações divulgadas pela prefeitura de Imbaú (2017), no ano de 2010, 70% da produção florestal do município era destinada in natura para a empresa, que detinha 31% da extensão territorial do município.

Com relação aos municípios de Marilândia do Sul e Rio Bom, localizados na região Norte Central paranaense, cerca de 65% do valor de sua produção agropecuária são oriundos da soja em grão. Ademais, ambos são vizinhos do município de Londrina, que, apesar de encontrar-se no Cluster 2, possuía em 2006, curso de nível superior voltado à agropecuária e uma unidade descentralizada da Embrapa (Embrapa Soja), além da sede do Instituto Paranaense de Pesquisa Agropecuária (IAPAR).

Com o objetivo de relacionar mais estreitamente a produtividade da agropecuária com as suas instituições, estimou-se uma regressão linear para cada estado e para a região Sul como um todo. As regressões para cada estado foram feitas utilizando o indicador de produtividade estadual [y(e)] e o número de observações utilizadas varia conforme a disponibilidade de dados das variáveis explicativas. Os principais resultados desse modelo encontram-se nas tabelas de 3 a 6 a seguir.

Percebe-se que ao considerar os estabelecimentos agropecuários que receberam assistência técnica, independentemente da fonte deste serviço, ou seja, incluindo as cooperativas, (Assis na Equação 1), a variável associativismo (Assoc) não se mostra estatisticamente significativa a 10% (Tabela 3). Porém, na equação em que os estabelecimentos que receberam assistência técnica de cooperativas são excluídos do grupo (Assis’ na Equação 2), todas as variáveis se mostram estatisticamente significativas em níveis inferiores a 1%. Esse resultado é um indício de que o principal efeito do associativismo sobre a produtividade da agropecuária ocorre por meio dos serviços de assistência técnica que essas instituições oferecem. De acordo com a Equação 1, quando o percentual de estabelecimentos que receberam assistência técnica aumenta em 1%, a produtividade da agropecuária do município aumenta em 0,36%. Essas relações corroboram as conclusões de Dossa e Segatto (2010), de Felema, Raiher e Ferreira (2013), de Dill et al. (2015) e Gasques et al., (2023) de que as associações de produtores, a assistência técnica e a permuta de conhecimentos entre instituições e produtores podem impactar positivamente os resultados da agropecuária.

 

Tabela 3 – Resultado das regressões relacionando produtividade (y) e instituições na região Sul

 

Const

Assis

Assis’

Assoc

Qualif

D_ens

Finan

Insum

D_SC

D_RS

(Eq. 1)

-2,78

0,36

-

0,08

0,053

0,06

0,06

-0,33

-0,13

-0,14

p-valor

0,000

0,000

-

0,109

0,000

0,036

0,037

0,000

0,001

0,000

VIF

-

1,44

-

2,65

1,19

1,14

2,64

1,68

1,56

2,09

n = 1159

R² = 0,268

Prob. F = 0,000

 

(Eq. 2)

-2,46

-

0,11

0,16

0,08

0,06

0,14

-0,29

-0,13

-0,19

p-valor

0,000

-

0,000

0,005

0,000

0,051

0,000

0,000

0,002

0,000

VIF

-

-

1,27

3,10

1,12

1,13

2,41

1,58

1,78

2,33

n = 1159

R² = 0,194

Prob. F = 0,000

 


Fonte: Resultados da pesquisa.

 

As variáveis “Qualif” e “Finan” têm seus parâmetros aumentados da Equação 1 para a Equação 2, indicando que o poder de explicação das cooperativas na assistência técnica pode ter sido distribuído entre outras variáveis que não apenas o associativismo. De todo modo, a variável de qualificação (Qualif), bem como a dummy que indica os municípios que possuíam curso de nível superior voltado à agropecuária e seus vizinhos (D_ens), apresentaram baixo parâmetro de relação com a produtividade do setor, indicando que a qualificação do produtor e a educação superior, a pesquisa e a extensão dessas instituições afetaram pouco a produtividade do setor no ano de 2006, mas que esse efeito foi positivo. Cabe evidenciar que a localização de instituições de ensino superior ocorre em municípios maiores e mais urbanizados. No entanto, tais efeitos podem ser transbordados para municípios vizinhos, mesmo com base mais rural.

As dummies que identificam os estados de Santa Catarina (D_SC) e do Rio Grande do Sul (D_RS) demonstram que os municípios desses estados apresentaram produtividade da agropecuária menor que os do estado do Paraná. Quando um município pertence ao estado de Santa Catarina, sua produtividade diminui 0,13% em relação ao Paraná. Se o município for do Rio Grande do Sul, essa diferença aumenta para 0,14% (Equação 1) ou 0,19% (Equação 2). Esse resultado já era esperado, dadas as médias de y apresentadas na Tabela 1.

Outra observação importante é que todos os parâmetros estimados apresentaram o sinal esperado. O sinal negativo da variável “Insum” indica que quanto maior é a proporção de gastos com insumos com relação ao valor da produção, menos produtiva é a agropecuária do município, ou seja, os insumos aplicados rendem menos em termos de valor de produção. O parâmetro da variável “Insum” foi o que apresentou maior valor em módulo na Equação 2 e o segundo maior na Equação 1, indicando que possui poder de explicação da produtividade maior que as demais variáveis do modelo. Esse fato corrobora a caracterização dos clusters descrita na Tabela 2, no qual os insumos foram a única variável com o comportamento esperado, sinalizando que o grupo de municípios com menor índice médio de produtividade foi o que apresentou menor retorno em termos de valor da produção sobre as despesas com insumos.

Considerando o indicador de produtividade calculado individualmente para cada unidade da federação, observou-se que o mesmo comportamento com relação à presença das cooperativas na variável de assistência técnica observada para região Sul se repete para o estado do Paraná (Tabela 4). Quando as cooperativas estão presentes na prestação de assistência técnica (Assis na Equação 3), o associativismo (Assoc na Equação 3) não se mostra estatisticamente significativo. Quando, porém, se desconsidera a assistência técnica oriunda de cooperativas, (Assis’ na Equação 4) esse parâmetro se mostra significativo estatisticamente (Assoc na Equação 4), indicando que as cooperativas exercem maior impacto na produtividade por meio dos serviços de assistência técnica que prestam. Para o estado do Paraná, esse comportamento também é observado para a variável financiamento. Esses fatos acompanhados pelo aumento no valor em módulo de quase todos os parâmetros quando se passa da Equação 3 para a Equação 4 podem indicar que o poder de explicação da assistência técnica das cooperativas se distribui pelas demais variáveis, mas essa transmissão não é completa uma vez que o coeficiente de determinação (R²) entre as equações diminui em 14,4pp.

 

Tabela 4 – Resultados das regressões relacionando produtividade [y(e)] e instituições no Paraná


 

Const

Assis

Assis’

Assoc

Qualif

D_ens

Finan

Insum

(Eq. 3)

-3,34

0,50

-

0,03

0,07

0,08

0,03

-0,27

p-valor

0,000

0,000

-

0,553

0,002

0,093

0,572

0,000

VIF

-

1,95

-

1,53

1,25

1,06

1,70

1,26

n = 391

R² = 0,358

Prob. F = 0,000

(Eq. 4)

-2,91

-

0,11

0,18

0,13

0,10

0,11

-0,20

p-valor

0,000

-

0,017

0,000

0,000

0,045

0,045

0,001

VIF

-

-

1,22

1,55

1,11

1,05

1,70

1,27

n = 391

R² = 0,214

Prob. F = 0,000

Fonte: Resultados da pesquisa.

 

As demais variáveis analisadas para o Paraná apresentam o mesmo comportamento que as da região Sul, sendo que no Paraná um aumento de 1% na assistência técnica (Equação 3) representa uma variação de 0,50% em y, enquanto no sul do país, representa uma variação de 0,36% (Equação 1), indicando a importância dessa variável para a produtividade da agropecuária no estado.

Diferentemente do que se observa nos resultados para a região Sul e para o estado do Paraná, em Santa Catarina a retirada da participação das cooperativas na assistência técnica (Assis’ na Equação 6) não torna o parâmetro do associativismo estatisticamente significativo (Assoc na Equação 6), conforme evidencia a Tabela 5. Pelo contrário, a própria variável de assistência técnica deixa de ser significativa. Esse comportamento pode indicar que o impacto na produtividade oriundo dos serviços de assistência técnica tem como principal fonte as cooperativas e, ao desconsiderar esse grupo, a assistência técnica deixa de afetar a produtividade. Esse papel de destaque do associativismo na produtividade dos agropecuaristas corrobora os resultados de Dill et al. (2015) e respalda os escritos de Hodgson (2001), Commons (2003) e Belik et al. (2007), quando afirmam que, no contexto institucional, os interesses individuais podem ser convertidos em interesses coletivos.

 

Tabela 5 – Resultado das regressões relacionando produtividade [y(e)] e instituições em Santa Catarina


 

Const

  Assis

Assis’

Assoc

Qualif

D_ens

Finan

Insum

(Eq. 5)

-2,00

0,27

-

0,01

0,03

0,05

0,21

-0,48

p-valor

0,000

0,001

-

0,903

0,224

0,447

0,001

0,000

VIF

-

1,50

-

2,15

1,10

1,14

2,90

1,32

n = 287

R² = 0,269

Prob. F = 0,000

(Eq. 6)

-1,55

-

0,10

0,03

0,04

0,03

0,25

-0,46

p-valor

0,000

-

0,133

0,708

0,114

0,672

0,000

0,000

VIF

-

-

1,06

2,27

1,10

1,10

2,63

1,22

n = 287

R² = 0,242

Prob. F = 0,000

Fonte: Resultados da pesquisa.

 

O parâmetro da variável de financiamento para Santa Catarina mostrou-se maior que para a região Sul e o estado do Paraná, indicando que os produtores do estado buscam direcionar seus financiamentos para investimentos que aumentam a produtividade dos fatores de produção, como por exemplo, inovações técnicas. As variáveis de educação (Qualif e D_ens), por sua vez, não foram estatisticamente significativas em nenhuma das equações para o estado de Santa Catarina, o que pode indicar que seus efeitos para a agropecuária não são captados por y ou que eles não se revertem em aumento da produtividade. Por fim, a variável “Insum” apresentou maior participação na explicação da produtividade que a média da região, indicando que, para ter um rendimento dos fatores de produção positivo, os municípios catarinenses precisam, mais que os outros estados, superar a ineficiência no uso de insumos.

Ao analisar o estado do Rio Grande do Sul, por meio da Tabela 6, assim como observado para o estado de Santa Catarina, verifica-se que a retirada da participação das cooperativas na assistência técnica (Assis’ na Equação 8) não torna o associativismo estatisticamente significativo para a produtividade da agropecuária no Rio Grande do Sul (Assoc na Equação 8). Além disso, a retirada desse grupo diminui o parâmetro da assistência técnica, revelando que o impacto deste serviço na produtividade tem como fonte predominante as cooperativas.

 

Tabela 6 – Resultados das regressões relacionando produtividade [y(e)] e instituições no Rio Grande do Sul


 

Const

Assis

Assis’

Assoc

Qualif

D_ens

Finan

Insum

(Eq. 7)

-1,67

0,21

-

-0,05

0,05

0,06

0,12

-0,34

p-valor

0,000

0,000

-

0,563

0,004

0,261

0,031

0,000

VIF

-

1,47

-

1,45

1,29

1,22

2,34

2,08

n = 480

R² = 0,211

Prob. F = 0,000

(Eq. 8)

-1,52

-

0,07

-0,03

0,06

0,06

0,18

-0,32

p-valor

0,000

-

0,037

0,720

0,000

0,245

0,000

0,000

VIF

-

-

1,14

1,62

1,28

1,22

2,23

2,09

n = 480

R² = 0,187

Prob. F = 0,000

Fonte: Resultados da pesquisa.

 

Apesar da variável “D_ens não se mostrar estatisticamente significativa, a qualificação dos produtores mostrou relação positiva com a produtividade. Ou seja, a cada 1% de incremento em “Qualif”, resulta em 0,06% (Equação 8) de aumento na produtividade. O financiamento e os insumos também apresentaram a relação esperada, sendo que para cada 1% de aumento no financiamento, y(e) aumenta 0,12% (Equação 7) e 0,18% (Equação 8), e para cada 1% de aumento na proporção do valor da produção gasta com insumos, y(e) reduz 0,34% (Equação 7) e 0,32% (Equação 8).

A partir dos resultados apresentados é possível afirmar que, embora não seja um comportamento observado em grupo (cluster), as instituições da agropecuária afetam a produtividade do setor em alguma medida quando a análise é municipal. Pode-se considerar que a análise quantitativa, realizada pelas regressões, apresenta maior poder de explicação que a análise descritiva, dada pelos clusters, uma vez que a primeira possui uma amostra maior e permite analisar cada município separadamente.

Considerando o resultado das regressões, em todas as unidades de análise a assistência técnica se mostrou estatisticamente significativa e competindo em grandeza de parâmetros com os gastos com insumos, indicando a importância das instituições que prestam esse serviço à agropecuária. A relação observada entre a assistência técnica e o associativismo representa que a primeira é um serviço ofertado por diferentes instituições, que não apenas as de natureza pública. Outra observação desse resultado é que as atividades de assistência técnica têm maior efeito sobre o rendimento dos fatores de produção do que o associativismo, a qualificação e a presença de curso de nível superior relacionado à agropecuária, o que pode indicar que possuem efeitos mais imediatos sobre a produtividade. O maior destaque da assistência técnica em relação às demais proxies de instituições era esperado devido aos resultados apontados por Dill et al. (2015) e Felema e Spolador (2023), representando o que Possas, Salles-Filho e Silveira (1994) descreveram como fontes internas de mudança tecnológica.

Apesar dos parâmetros da qualificação terem se mostrado baixos, a sua relação positiva demonstra que vale a pena investir em capital humano no setor agropecuário. Com relação aos cursos de nível superior voltados à agropecuária, seu efeito direto não foi confirmado para os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mas o efeito do estado do Paraná, ainda que baixo, foi suficiente para tornar o efeito na região Sul significativo. Há que se considerar ainda que a análise por estado diminui o número de observações em relação à análise regional, o que pode afetar os resultados por restringir a amostra. Ademais, o desempenho do setor agropecuário pode ser afetado por fatores não captados neste trabalho, pela própria natureza dos dados e especificidade do setor. Fatos assim, por mais que se apresentem como limites do estudo, também oportunizam a realização de trabalhos futuros.

 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

O presente trabalho relacionou as instituições da agropecuária da região Sul do Brasil com a produtividade do setor, procurando evidenciar relações de associação e complementariedades. As instituições, como base teórica, podem ser regras e costumes formais ou informais, organizações ou o mercado, os quais estão sujeitos a pressões externas e interesses pecuniários, podendo definir trajetórias futuras. Organizações podem ser consideradas como instituições na medida em que envolvem conflitos de interesse e decisões que afetam o ambiente institucional e se caracterizam em agentes de mudança, a partir de seu path dependence. No presente trabalho, considerou-se as organizações envolvidas com o setor agropecuário da região Sul do Brasil como instituições, que prestam serviços de assistência técnica, extensão rural, ensino, pesquisa e associativismo envolvidos pelas “restrições formais (enforcement) e informais”, os quais podem influenciar o desempenho do setor agropecuário uma vez que definem as parcerias feitas, as pesquisas realizadas, as áreas contempladas, as técnicas utilizadas e os conhecimentos repassados.

Com relação à metodologia empregada, a lógica fuzzy permitiu reunir diferentes fatores de produção em um único indicador de produtividade e com variação gradual nos graus de pertinência. Apesar de aparentar homogeneidade por variar em um intervalo pequeno, a análise de clusters e, posteriormente, de regressões, mostraram que a construção do indicador pela lógica difusa foi eficiente em caracterizar e diferenciar os municípios com relação à produtividade de sua agropecuária, conforme já havia sido apontado por Khatchatourian e Treter (2010), Lima et al. (2012), Bagolin et al. (2013) e Conde et al. (2014). Ademais, o emprego da ponderação por fatores escassos permitiu uma comparação adicional entre a situação dos estados analisados. Portanto, essa ferramenta apresentou-se como uma alternativa viável de análise, especialmente quando não se dispõe de dados de anos subsequentes, o que seria necessário para cálculo da PTF, por exemplo.

A análise de clusters a partir do indicador de produtividade da agropecuária mostrou que grande parte dos municípios apresenta baixo desempenho nesse quesito e que, dentro dos clusters formados, não existem indícios do papel das instituições na caracterização dos grupos. A análise de regressão, por outro lado, indicou determinação positiva entre as instituições e a produtividade da agropecuária em quase todos os casos analisados. Exemplo disso, foi a evidência do percentual de estabelecimentos agropecuários que receberam assistência técnica. Esse resultado pode ser consequência do maior número de instituições que prestam esse serviço (instituições públicas, empresas privadas e cooperativas) revelando mecanismos de enforcement e, ao mesmo tempo, regras informais presentes nas “rotinas” dos agricultores (restrições informais). Há de se considerar também o fato de a assistência técnica ser uma atividade que gera resultados mais imediatos no rendimento dos fatores de produção, ao passo que a pesquisa e a formação de capital humano, por exemplo, podem demorar alguns anos para impactarem a produtividade de forma positiva (Gasques; Bastos; Bacchi, 2008; Felema; Raiher; Ferreira, 2013). Esse retardo no impacto sobre a produtividade pode ser também observado no associativismo. A contribuição dessa variável mostrou-se positiva (Hodgson, 2001; Commons, 2003; Belik et al., 2007; Dossa, Segatto, 2010; Felema, Raiher, Ferreira, 2013; Dill et al., 2015; Gasques et al., 2023), indicando que os outros benefícios de ser associado não se refletem no aumento da produtividade de forma imediata.

As instituições aqui analisadas possuem áreas de atuação as quais nem sempre coincidem com seus municípios de localização (Felema, Spolador, 2023). Isso pode limitar a relação mais incisiva que se esperaria entre instituições e produtividade da agropecuária. Estes resultados não significam pouca importância de tais instituições, mas sim, uma dificuldade no tratamento dos dados para se constatar tais eventos. Por fim, de modo geral, os resultados aqui encontrados para o setor agropecuário corroboram os argumentos da abordagem institucionalista confirmando sua importância no processo de desenvolvimento econômico e que as decisões tomadas dentro das organizações têm impacto sobre a produtividade da agropecuária. Os achados deste trabalho também convergiram com os resultados apresentados por outros autores, relacionando um melhor desempenho da agropecuária com o associativismo, a assistência técnica, o ensino, a pesquisa e a extensão (Gasques et al., 2023; Torres, 2023; Dill et al., 2015; Felema, Raiher, Ferreira, 2013; Gasques et al., 2010; Dossa, Segatto, 2010; Gasques, Bastos, Bacchi, 2008).

Por se tratar de uma análise cross-section, os resultados quantitativos encontrados não permitem conclusões acerca da propagação desses efeitos ao longo dos anos, o que não deixa de ser um fator limitante. Outro limite do estudo está relacionado ao acesso de dados mais recentes sobre a agropecuária brasileira a nível municipal. No entanto, as mudanças que podem ter ocorrido, associadas à elevada defasagem de resposta, como características da estabilidade institucional, minimizam possíveis distorções nos resultados aqui encontrados. Portanto, políticas de incentivos, especialmente aquelas relacionadas a aprendizagem e disseminação de conhecimento adquiridos e acumulados de forma gradual ao longo do tempo, são válidas em ambientes cooperativos, conforme apontado por Commons (2003). Cabe salientar que os policy makers precisam considerar que as decisões atuais podem criar trajetórias de desenvolvimento – à semelhança das contribuições de Dosi (1982), North (1991) e Zylbersztajn e Sztajn (2005) – que terão efeitos de longo prazo. No entanto, o que podem ser potenciais limites a este estudo, também se apresentam como oportunidades de pesquisas futuras a fim de observar trajetórias nas relações entre instituições e agropecuária, como forma de orientar a evolução do setor para direções mais produtivas.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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Notas 

[1] São os dados disponíveis até o momento de execução do trabalho, por mais que haja uma expectativa de disponibilidade dos dados do novo Censo Agropecuário muito em breve. Mesmo assim, pressupõe-se que não haja prejuízo aos resultados, dado que as instituições possuem certa “rigidez” ao longo do tempo (North, 1990 e 1991; Hodgson, 2001). Ademais, esses resultados poderão ser comparados com os resultados de pesquisas futuras sob essa mesma perspectiva.

[2] Ressalta-se, no entanto, que nas regressões estimadas os resultados foram os esperados de acordo com a literatura.

[3] Os municípios que aparecem em branco no mapa são outliers ou foram excluídos da amostra por não terem dados disponíveis para o cálculo de y.