Daniela Althoff Philippi, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9772-7753; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Aquidauana (MS), Brasil. E-mail: daniela_philippi@yahoo.com.br
Helena Pereira Fialho de Goes, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9261-199X1. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Aquidauana (MS), Brasil. E-mail : heleninhafialho35@gmail.com
Resumo
A cooperação entre universidades e organizações revela-se importante para o desenvolvimento de tecnologias no agronegócio. Na produção de leite de Mato Grosso do Sul, destaca-se o Programa Rio de Leite (PRL), em que se trabalha a Transferência de Tecnologia (TT) de universidades para propriedades rurais. A pesquisa, que se utilizado método de estudo de casos múltiplos, objetivou identificar os efeitos da adesão ao Programa Rio de Leite (PRL), quanto aos seus impactos no mercado e desenvolvimento econômico, em propriedades rurais da região do pantanal sul-mato-grossense. Com base em modelo de TT reconhecido mundialmente, foram verificados e são descritos, na perspectiva dos produtores entrevistados, evidências de impacto no mercado e desenvolvimento econômico. Apresentam-se convergências e divergências ao modelo e a outros estudos, considerando as evidências das TTs às propriedades, além de um novo achado relativo ao desenvolvimento econômico. Assim, a pesquisa contribui para a literatura sobre o tema e para ressaltar efeitos positivos do PRL.
Palavras-chave: Modelo de Eficácia Contingente de Transferência de Tecnologia. Cadeia produtiva do leite. Propriedades.
Abstract
Cooperation between universities and organizations is important for the development of technologies in agribusiness. In the milk production sector of Mato Grosso do Sul, the Rio de Leite Program (PRL) stands out, in which Technology Transfer (TT) works from universities to properties. This research, based on the strategy of multiple case studies, aimed to identify the adherence to the effects the Rio de Leite Program (PRL), regarding its impacts on the market and economic development, on rural properties in the Pantanal region of Mato Grosso do Sul. The results showed positive evidence on market and economic development, based on a TT model recognized worldwide, from the perspective of the producers interviewed. Convergences and divergences to the model and other studies are presented, considering the evidence of TT to properties, in addition to a new finding related to economic development. Thus, this research contributes to the literature on the topic and highlights positive effects of PRL.
Keywords: Contingent Effectiveness Model of Technology Transfer. Milk production chain. Properties.
Há muito que se aprimorar na produção leiteira no Brasil em aspectos como “sanidade, melhoramento genético do rebanho, manejo das pastagens, estratégias de suplementação alimentar na estiagem, qualidade do leite ordenhado e gerenciamento administrativo e financeiro da atividade” (SIMÕES; DE OLIVEIRA; LIMA-FILHO, 2015, p. 164).
Dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017) apontam que a produção de leite de vaca no Brasil (em 1 000 litros) saltou de 20 567 868 (em 2006) para 30 100 791 (em 2017) e que, a participação do estado de Mato Grosso do Sul foi de 383 880 (em 2006) e de 408 557 (em 2017)., evidenciando um incremento proporcional menor que a produção do Brasil.
Em termos de produtividade (litro de leite por vaca) a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 2017), com base na organização dos dados do IBGE, apresentou que, em Mato Grosso do Sul, de 2014 para 2015, ocorreu um aumento ínfimo de 0,1% na produtividade, com registro de 1.022 litros/vaca (em 2014) e de 1.023 litros/vaca (em 2015), o que reforça a evidência anteriormente apresentada, pois na comparação com o cenário brasileiro, o incremento de 2014 para 2016 foi de 5,5%.
O desenvolvimento incipiente da cadeia produtiva do leite em Mato Grosso do Sul, deve-se a fatores como “o grande número de animais não especializados na produção de leite e as práticas de manejo inadequadas para o gado leiteiro” (SIMÕES; DE OLIVEIRA; LIMA-FILHO, 2015, p.164). Os autores destacam a importância do papel dos governos em unir esforços e recursos para que a bovinocultura leiteira deixe de ser apenas atividade de subsistência e torne-se atividade rentável para os produtores rurais, ampliando suas possibilidades de comercialização, principalmente a partir da conformidade com padrões higiênicos e sanitários estabelecidos por órgãos de controle.
Sobre a produção leiteira em Mato Grosso do Sul, entende-se como fundamental, a criação de parcerias com Instituições que visam o desenvolvimento científico e tecnológico, a fim de que viabilizar melhorias para o cenário atual da atividade leiteira na região. A adoção da open innovation (inovação aberta), entendida como uma estratégia das organizações em busca de fontes externas de inovação (CHESBROUGH, 2003), é alcançada pela transferência de tecnologia (TT) da universidade para as organizações, o que pode contribuir positivamente com a situação apresentada.
Na cooperação, a TT tem sido cada vez mais reconhecida como fonte de desenvolvimento local e regional local (ARMSTRONG, 2009; TENG, 2010; FINI et al., 2011; POGUE et al., 2014), de vantagem competitiva e de impacto mercadológico (SAVORY, 2006, CLOSS; FERREIRA, 2012; MATULOVA et al., 2018).
Um dos modelos de TT globalmente aceito e que está entre os mais citados e renomados na literatura, é o Modelo de Eficácia Contingente, de Bozeman (2000), que apresenta possibilidade de melhor compreender os efeitos da TT em diversos campos do conhecimento, a partir de universidades (entendidas como agentes da TT), ou de institutos de pesquisa, para organizações que a recebem (entendidas como receptores da TT), determinando a sua eficácia (BENITO-BILBAO; SÁNCHEZ-FUENTE; OTEGI-OLASO, 2015; BOZEMAN, 2000; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI, 2015).
Na região do pantanal sul-mato-grossense, encontra-se o Programa Rio de Leite (PRL), que objetiva capacitar a mão de obra de nível superior, especializada em produção de leite e transferir tecnologias modernas e adaptadas aos sistemas de produção de Mato Grosso do Sul, proporcionando aos produtores, assessoria técnica, administrativa e possibilidades para que estes tornem-se empresários rurais (SIMÕES, 2008).
O PRL conta com a cooperação entre: a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), com o Curso de Zootecnia; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com o Curso de Biologia e; produtores de leite da região. Além disso, existe a parceria com outras entidades, como órgãos financiadores, a própria UEMS e UFMS, o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) (RIO DE LEITE, 2017). Em 2013, o PRL recebeu o troféu de terceiro lugar no IX Prêmio Sul-Mato-Grossense de Gestão Pública 2013 (O PANTANEIRO, 2014).
Sabendo-se dos possíveis benefícios decorrentes de processos de ‘Cooperação Tecnológica e Transferência de Tecnologia’ e da importância do Programa PRL em MS, a pesquisa concentrou-se em investigar o seguinte problema de pesquisa: “Como os produtores (receptores) avaliam os efeitos da adesão ao Programa Rio de Leite (PRL) frente ao mercado que atuam e quanto ao desenvolvimento econômico de suas propriedades rurais?”. Seu objetivo consistiu em “identificar os efeitos da adesão ao Programa Rio de Leite (PRL), quanto aos seus impactos no mercado e desenvolvimento econômico, em propriedades rurais da região do pantanal sul-mato-grossense”. Os efeitos a que se refere o objetivo, incidem sobre os receptores (produtores de leite) de Aquidauana e Anastácio, diante da cooperação tecnológica mencionada, com base no modelo de eficácia Contingente de Bozeman (2000). No modelo, revisitado por Bozeman, Rimes e Youtie (2015), o impacto no mercado e o desenvolvimento econômico são apresentados como critérios de eficácia de TT e entendidos como efeitos deste processo..
O impacto no mercado refere-se à influência do TT na materialização do produto e no aumento da participação no mercado, vendas e lucratividade do receptor (BOZEMAN, 2000; OGUNYEMI, 2013; BORGE; BRÖRING, 2017; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI; MACCARI; DA COSTA, 2018) e o desenvolvimento econômico refere-se às contribuições da TT no âmbito regional ou nacional, incluindo incrementos em renda, criação de novos postos de trabalho ou novos negócios com a TT (HARMON et al., 1997; BOZEMAN, 2000; BORGE; BRÖRING, 2017; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI, 2015; PHILIPPI; MACCARI, 2017; PHILIPPI; MACCARI; DA COSTA, 2018).
É necessário que o poder público, as universidades e empresas, tenham conhecimento dos benefícios da cooperação entre universidades e organizações, criando mais possibilidades de expandir tais ações (CLOSS; FERREIRA, 2012; PHILIPPI, 2015). Espera-se que os resultados da pesquisa possam contribuir para reforçar os estudos anteriores sobre a temática e, especialmente, aprimorar e propagar o Programa (PRL) e demais projetos de cooperação tecnológica envolvendo universidades da região.
A interação entre universidade e organizações gera benefícios mútuos (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000) e estimula o desenvolvimento econômico e a competitividade (BOZEMAN, 2000; SIEGEL; WALDMAN; LINK, 2012; PHILIPPI, 2015).
Dentre os benefícios para as universidades, estudos indicam como mais expressivos, a maior possibilidade em captar recursos adicionais para as pesquisas básicas e aplicadas e proporcionar o ensino vinculado aos avanços tecnológicos, com a ampliação da capacidade de desenvolver tecnologia com menor investimento, em menor tempo e com menores riscos (PUFFAL; TREZ; SCHAEFFER, 2012).
Rothaermel, Agung e Jiang (2007) mencionam como benefício relevante para o corpo docente, a complementação às pesquisas acadêmicas, com a obtenção de fundos para os alunos de pós-graduação, equipamentos de laboratório e insights sobre sua própria pesquisa. Outro benefício citado pelos autores está relacionado ao empreendedorismo, pois é a possível o surgimento de oportunidades empresariais decorrentes desta interação.
Como benefícios para as organizações (receptores de tecnologia), destacam-se o acesso a recursos humanos ou materiais, possibilitando o desenvolvimento tecnológico e pessoal; o suporte administrativo em seus processos de inovação (BENEDETTI, 2011); maior acesso à pesquisa e às descobertas acadêmicas (ROTHAERMEL; AGUNG; JIANG, 2007), além da capacidade em desenvolver tecnologia com menor investimento, menor tempo e menores riscos (PUFFAL et al., 2012).
São expressivos também os benefícios para a sociedade, como estímulo ao desenvolvimento econômico (SIEGEL; WALDMAN; LINK, 2003); a maior competitividade nacional(CLOSS; FERREIRA, 2012) e para “alavancar o crescimento tecnológico do país, bem como o desenvolvimento científico no meio acadêmico, revertendo-se em vantagens para ambos os setores da nação e, dessa forma, para o Brasil como um todo” (SEGATTO-MENDES; SBRAGIA, 2002, p. 70).
Quanto à transferência de tecnologia (TT), a partir de universidades ou institutos de pesquisa – como agentes de TT –, Bozeman (2000) elenca critérios de eficácia, entendidos como efeitos e ou benefícios do processo de transferência de tecnologia, dentre os quais destacam-se o impacto no mercado e o desenvolvimento econômico, com possíveis benefícios para os agentes (entendidos na pesquisa como as universidades) e para os receptores de tecnologia (entendidos como produtores os produtores de leite).
Em pesquisa realizada por Philippi (2015), com a aplicação do Modelo de Eficácia Contingente de Transferência de Tecnologia de Bozeman (2000), sobre a caracterização e verificação dos efeitos de TTs originárias de Escolas de Agricultura nos EUA e no Brasil, constatou-se o modelo como adequado para verificar os efeitos das TTs de universidades para organizações receptoras, considerando-se o macrocontexto. Dentre os efeitos da TT, o modelo apresenta o impacto no mercado e o desenvolvimento econômico
Como mencionado, o impacto no mercado refere-se à influência da TT na materialização do produto e na maior participação no mercado e lucratividade do receptor (BOZEMAN, 2000; OGUNYEMI, 2013; BORGE; BRÖRING, 2017; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI; MACCARI; DA COSTA, 2018; PARK; CHANG, 2020).
Apesar de Bozeman (2000) expressar a existência de um consenso de que TT apresenta pouco potencial para o desenvolvimento econômico, estudos apontam evidências dos seus efeitos. Dentre eles estãoa criação de novas empresas de TT como fontes propulsoras para o desenvolvimento econômico (BOZEMAN, 2000; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015), como novos negócios criados à montante e à jusante, incluindo fornecedores, start-ups [1]e spinoffs[2] (HARMON et al., 1997; BOZEMAN, 2000; BORGE; BRÖRING, 2017; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI, 2015; PHILIPPI; MACCARI; DA COSTA, 2018). Além disso, aponta-se a criação de novos empregos, também à montante e à jusante (BOZEMAN, 2000; BORGE; BRÖRING, 2017; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI, 2015; PHILIPPI; MACCARI, 2017) e, até mesmo, de novos postos de trabalho, inexistentes até então (PHILIPPI; MACCARI, 2017).
Harmon et al. (1997) atentam para não se ter expectativas sobre o impacto econômico imediato de TTs. Ainda, há estudos que revelam mecanismos de TT que influenciam no desenvolvimento econômico. Bravo e Resende (2014) consideram relevante alinhar as necessidades dos sistemas de inovação – incluindo seus integrantes como instituições de pesquisa e desenvolvimento, organizações empresariais entre outros intermediários.
Assim, os critérios de impacto no mercado e desenvolvimento econômico avaliam se a TT tem impacto no mercado (nível da organização ou em escala regional ou nacional), de acordo com o sucesso comercial da tecnologia (BORGE; BRÖRING, 2017).
A pesquisa caracterizou-se como eminentemente qualitativa. Este tipo de pesquisa engloba um estudo mais aprofundado e integrado das relações, dos processos e dos fenômenos, do que a pesquisa quantitativa (EISENHARDT, 1989; GODOY, 1995; FLICK, 2004).
Quanto aos objetivos, a pesquisa classifica-se como exploratória, por ser aquela que enseja uma familiarização com um fenômeno pouco explorado e que permite novas percepções do fenômeno e descobertas (BABBIE, 1998). Verificou-se que o fenômeno estudado - “efeitos da cooperação tecnológica de universidades de Mato Grosso do Sul, por meio do PRL” - ainda não foi estudado com a abordagem proposta, considerando as propriedades rurais leiteiras assistidas.
A estratégia de pesquisa adotada foi o estudo de casos múltiplos (GODOY, 1995, YIN, 2001), própria para pesquisas cujo foco esteja em perguntas sobre “como” e que exigem profundidade em relação aos fenômenos. Foram então definidos cinco casos de cooperação tecnológica, representados por cinco propriedades rurais assistidas pelo PRL, indicadas e entendidas pelos líderes do PRL, como casos que mereciam ser estudados, adotando-se a amostra não probabilística intencional (SCHIFFMAN; KANUK, 2000).
O protocolo de estudo de casos múltiplos é essencial e orienta o pesquisador na realização da coleta de dados, além de ser relevante para a confiabilidade da pesquisa (YIN, 2001). Assim, o protocolo desenvolvido apresentou como elementos principais: (a) plano de atividades, com a visão geral da pesquisa, cenários desfavoráveis e possíveis alterações na conduta; (b) carta de apresentação com o objetivo da pesquisa e questões norteadoras; (c) instruções para a conduta ética da pesquisa, incluindo termo de consentimento com a proteção da privacidade e a confidencialidade; (d) roteiro de entrevista e forma de registro; (e) roteiro para elaboração de relatório de pesquisa, considerando o seu objetivo central.
Para facilitar a organização dos dados e compreensão dos resultados, aos casos estudados representados pelos entrevistados foram atribuídos códigos (quadro 1).
Quadro 1 – Codificação entrevistados - casos
Entrevistado |
Código entrevistado - caso |
Produtor 1 |
P1 |
Produtor 2 |
P2 |
Produtor 3 |
P3 |
Produtor 4 |
P4 |
Produtor 5 |
P5 |
Fonte: elaborado pelas autoras
As técnicas de coleta de dados abrangeram essencialmente entrevistas em profundidade, conduzidas pelo telefone, com ligação normal, após contato anterior via WhatsApp com a explicação dos objetivos da pesquisa, solicitação prévia de anuência e agendamento de horário. A entrevistas tiveram duração individual de 30 a 40 minutos, sendo enviado previamente o roteiro semiestruturado ao entrevistado, elaborado com o apoio do google forms, enviadas via WhatsApp. As entrevistas foram registradas no próprio google forms, a cada ligação executada. As entrevistas foram realizadas no mês de outubro de 2020, mediante consentimento dos participantes, estabelecido em termo específico.
As categorias de análise foram pré-estabelecidas, em consonância com o que defende Yin (2001), para quem, em estudos de caso, com base na revisão prévia da literatura, se analisam pesquisas anteriores sobre o assunto para a elaboração de questões de pesquisas mais assertivas. Além das categorias estabelecidas antecipadamente, atentou-se para a formação de novas categorias elencadas a partir da coleta de dados (GODOY, 1995; YIN, 2001). Deste modo, adotou-se a grade mista em que as categorias referentes aos objetivos da pesquisa são preliminarmente definidas, mas com a possibilidade de inclusão de novas categorias (VERGARA, 2005).
No roteiro semiestruturado, as questões concentraram-se em investigar os efeitos do PRL, sob a perspectiva dos produtores rurais. Para tanto, o constructo teórico dividiu-se dois critérios centrais: o impacto no mercado e desenvolvimento econômico, conforme apresentado no Quadro 2.
Quadro 2 – Constructo teórico
Efeitos/critério de eficácia |
Categorias |
Autores |
Impacto no mercado |
Materialização do(s) produto (incluindo melhorias nos já existentes); maior: participação no mercado, incrementos em vendas e lucratividade |
Bozeman (2000); Ogunyemi (2013); Borge e Bröring (2017); Bozeman, Rimes e Youtie (2015); Philippi, Maccari e Da Costa (2018); Park e Chang (2020) |
Desenvolvimento econômico |
Desenvolvimento econômico regional ou nacional, incluindo incrementos em renda, criação de oportunidades de trabalho (mais empregos e/ou de novos postos de trabalho) ou novos negócios, podendo se estender (à jusante e à montante) |
Harmon et al. (1997); Bozeman (2000); Borge e Bröring (2017); Bozeman, Rimes e Youtie (2015); Philippi (2015); Philippi, Maccari e Da Costa (2018) |
Fonte: elaborado pelas autoras com base no referencial teórico
Para Miles e Huberman (1994) e Eisenhardt (1989), a análise dos resultados nos estudos de caso, requerem categorias de análise. Os dados foram analisados qualitativamente, utilizando-se da técnica de análise de conteúdo, por categorias, em que se verificaram a presença ou a ausência de características de um conteúdo, identificados em fragmentos das mensagens. As características são representadas inicialmente pelos critérios de eficácia quanto ao impacto no mercado e desenvolvimento econômico de Bozeman (2000) e, pelas categorias a elas associadas, explicitadas no Quadro 2. Para o ordenamento da análise, seguiram-se as fases recomendadas por Bardin (2011): (1ª) a pré-análise; (2ª) descrição analítica e; (3ª) interpretação. As fases foram empregadas para cada caso.
Na fase de pré-análise, procedeu-se a organização do material coletado. O material de cada fonte foi dividido conforme as caraterísticas gerais dos entrevistados e das propriedades e foi dividido em efeitos mercadológicos e no desenvolvimento e em conteúdo sem relação com o prescrito.
Na fase de descrição analítica, foram identificadas as relações dos conteúdos, divididos e relacionados aos pressupostos da literatura consultada, buscando convergências e divergências.
Por fim, na fase de interpretação referencial, aprofundaram-se conexões das ideias, relacionando os conteúdos entre as fontes, de maneira complementar, procurando identificar conteúdos latentes, como outros efeitos mercadológicos e no desenvolvimento, não presentes literatura consultada.
Após as fases descritas, procedeu-se a análise cruzada (CRESWEL, 2014), sendo verificadas as convergências ou divergências entre os casos, evidenciando os resultados inerentes a cada caso.
Apresentam-se, neste capítulo, os resultados da pesquisa. Inicialmente com a caracterização dos entrevistados, das propriedades (receptores) e atividades, para então, abordar o impacto no mercado e no desenvolvimento econômico sobre os receptores.
O Quadro 3 apresenta uma caracterização dos entrevistados, do receptor (propriedades), das atividades desenvolvidas e do histórico da cooperação com as universidades no PRL.
Quadro 3 - Caracterização dos entrevistados
Produtores |
Nível de instrução |
Gênero
|
Idade |
P1 |
Ensino médio completo |
Feminino |
47 |
P2 |
Ensino superior incompleto |
Masculino |
50 |
P3 |
Ensino fundamental incompleto |
Masculino |
63 |
P4 |
Ensino fundamental completo |
Masculino |
73 |
P5 |
Ensino médio incompleto |
Masculino |
73 |
Fonte: dados primários (entrevistas)
Dos cinco produtores entrevistados, dois informaram que possuem ensino médio completo, enquanto os demais possuem ensino fundamental completo. Todos os entrevistados, exceto um, são do gênero masculino. A maior parte dos entrevistados (três) têm mais de 50 anos de idade. No Quadro 4, encontram-se as características das propriedades rurais dos receptores.
Quadro 4 - Caracterização dos receptores (propriedades)
Produtores |
Tempo de propriedade |
Hectares (ha) |
Hectares (ha) atividade leiteira |
Número de vacas leiteiras |
Raça vacas leiteiras |
P1 |
2003 |
30 |
20 |
15 |
jersey e girolando |
P2 |
2012 |
19.6 |
05 |
15 |
girolando e gir |
P3 |
1986 |
37 |
30 |
50 |
girolando e tucura |
P4 |
2003 |
22 |
22 |
36 |
girolando e cruzada |
P5 |
1995 |
51 |
51 |
30 |
girolando |
Fonte: dados primários (entrevistas)
Observa-se que, dos cinco produtores, dois possuem a propriedade desde 2003, um deles desde 1986, outro desde 1995 e, por fim, o P2, desde 2012. A propriedade do P1 tem 30 ha no total, sendo 20 ha destinados à atividade leiteira e possui 15 vacas das raças jersey e girolando. A propriedade do P2 possui 19,6 ha no total, sendo 05 ha destinados à atividade leiteira, contendo 05 vacas das raças girolando e gir. Na propriedade de P3, são 37 ha no total, sendo 30 ha destinados à atividade leiteira, com 50 vacas das raças girolando e tucura. Na de P4, os 22 ha são destinados à atividade leiteira, com 36 vacas da raça girolando, além de raças cruzadas. Por fim, a propriedade de P5 possui 51 ha, todos destinados à atividade leiteira, com 30 vacas da raça girolando. No Quadro 5, sintetiza-se o histórico da adesão (participação) das propriedades no Programa PRL.
Quadro 5 – Histórico de participação das propriedades no PRL
Produtores |
Início |
Término |
Motivos principais |
P1 |
2008 |
2013 |
Qualificação pelos cursos |
P2 |
2016 |
Sem exatidão |
Conhecimento |
P3 |
2004 |
Sem exatidão |
Parte veterinária e os técnicos |
P4 |
2008 |
2013 |
Conhecimento e aprendizado |
P5 |
2004 |
Sem exatidão |
Aprendizagem e qualificação |
Fonte: dados primários (entrevistas)
Conforme destacado no Quadro 5, das cinco propriedades, duas aderiram ao PRL em 2004, quando o Programa iniciou; duas em 2008 e; uma em 2016. Sobre o término das atividades no Programa, duas propriedades enceraram as atividades em 2013 e nas demais, os entrevistados não informaram com exatidão o ano de término. Sobre o que motivou a participação no PRL, aprendizado, conhecimento e qualificação foram os elementos que mais expressam a motivação, além da assistência técnica, mencionada por P3.
No Quadro 6, apresentam-se alterações relativas aos processos de trabalho no que se refere à genética, à aquisição de maquinários, equipamentos e às novas formas de execução do trabalho com a participação das propriedades no PRL.
Quadro 6 – Implicações técnicas principais do PRL nas propriedades
Produtores |
Genética |
Maquinários/ equipamentos (leite) |
Novas maneiras de executar o trabalho |
P1 |
Inseminação |
Sim. Ordenha mecânica |
Higiene na ordenha, teste de mastite e manejo com o gado |
P2 |
Inseminação e padronização gado |
Sim. Ordenha mecânica, ensiladeira e máquina de silagem (prensa) |
Manejo em geral, pastagens, reprodução e alimentação etc |
P3 |
Ordenha elétrica |
Sim. Triturador de cana, galpão coberto |
Mecanização, lida com terra e o gado |
P4 |
Inseminação, padronização gado |
Sim. Não especificado |
Inseminação, manejo de pastagem, criação de bezerros |
P5 |
Padronização gado |
Sim. Trator, carreta, triturador etc. |
No recolhimento, na execução da genética, no cruzamento, na pastagem etc. |
Fonte: dados primários (entrevistas)
Sobre as implicações técnicas do Programa, no quesito genética, três produtores passaram a adotar a inseminação artificial em virtude da adesão ao PRL; um (P3) passou a utilizar a ordenha elétrica e três padronizaram o rebanho. Sobre a aquisição de equipamentos e maquinários, os cinco produtores entrevistados adquiriram maquinários: P1 adquiriu uma ordenha mecânica; P2 adquiriu ordenha mecânica, ensiladeira e máquina de prensa; P3, um triturador de cana e um galpão coberto; P4 não especificou o que adquiriu e; P5, adquiriu trator, carreta, triturador, dentre outros. No que se refere às novas maneiras de executar o trabalho na propriedade, todos confirmaram que ocorreram mudanças: P1 mencionou a higiene na ordenha, teste de mastite e manejo com o gado; P2 citou o manejo em geral, cuidado com pastagens, reprodução, alimentação do rebanho etc.; P3 passou a utilizar maquinários, além de ter aprendido a lidar melhor com a terra e o gado; P4 na inseminação, manejo de pastagem, criação de bezerros e; P5, modificou a forma de extração do leite, na execução da genética, no cruzamento, na pastagem etc.
Na sequência, apresentam-se os efeitos da cooperação com as universidades por meio da participação no PRL, com foco nas propriedades participantes da pesquisa, especialmente no que se refere ao impacto no mercado e desenvolvimento econômico.
Inicialmente apresenta-se o que a propriedade passou a produzir de modo diferenciado e se houve incremento nos volumes de produção de leite e derivados em decorrência do PRL. O Quadro 7 apresenta aspectos sobre os produtos e volume de produção.
Quadro 7 - Produtos e volume de produção
Produtores |
O que passou a produzir de diferente |
Aumento no volume de produção de leite: litros/dia |
Maior volume de derivados do leite/dia |
P1 |
Cana-de-açúcar e napier |
*De 35 para 50 litros/dia |
Não houve aumento |
P2 |
Produção de queijo |
De 30 para até 140 litros/dia |
De 20 queijo para 80 |
P3 |
Agricultura, queijo |
*De 80 para 150 litros/dia |
Queijo (sem especificação) |
P4 |
Nada |
*De 45 para 50 litros/dia |
Sem derivados |
P5 |
Nada |
*De 60 para 200 litros/ dia |
Sem derivados |
Fonte: dados primários (entrevistas)
*Média anual, considerando comportamento sazonal entre períodos do ano
Conforme apresentado no Quadro 7, dos cinco produtores, apenas dois não passaram a produzir algo diferente do leite, a partir da adesão ao PRL. Dos que diversificaram a produção, um produtor passou a produzir cana-de-açúcar e napier[3] outro passou a produzir queijo e outro, investiu em produção de queijo concomitante à agricultura.
Com relação ao volume da produção (em litros por dia), observaram-se aumentos significativos, sendo o mais expressivo o de P5, triplicou a sua produção após adesão ao Programa. A exceção foi a propriedade de P4, cujo aumento foi bem menor do que nas demais, em termos de proporção. O entrevistado P4 , em análise paralela ao Quadro 6, foi o mesmo que não especificou no que investiu (em maquinários e equipamentos); não mencionou mudanças referentes aos processos de produção e; não diversificou a sua produção com derivados.
Quanto ao aumento no volume de derivados do leite, somente dois, dos cinco produtores entrevistados, passaram a produzir derivados (P2 e P3), sendo que P2 aumentou a produção de queijo de 20 para 80 peças e P3, aumentou a produção de queijo, mas não especificou a quantidade.
No Quadro 8 encontra-se o impacto da participação do PRL no mercado, considerando o aumento na comercialização, lucratividade e na fatia do mercado.
Quadro 8 – Impacto no mercado – comercialização e lucratividade
Produtores |
Maior comercialização |
Estímulo ao comércio (à montante: fornecedores) |
Estímulo ao comércio (venda e à jusante: revendedores) |
Maior lucro |
P1 |
Não |
Sim. Maior aquisição de sal mineral e medicação |
Sim. Sim. Pela maiorqualidade do leite |
Sim. Pela melhoria de processo com mudanças na raça e maior quantidade de leite |
P2 |
Sem resposta |
Sim. Maior aquisição de medicamentos, ração sêmen etc. |
Sim. Sim. Pela maior qualidade do leite |
Sim. Pela agregação de valor ao leite |
P3 |
Sim. Leite e queijo |
Não |
Sim. Não. |
Sim. Em virtude do maior volume de leite produzido |
P4 |
Sim. Em virtude da maior quantidade de leite produzida |
Sim. Maior aquisição de adubo, calcário, ureia, além de mais fornecedores |
Sim. Sim. Pelo maior volume de produção |
Sim. As melhorias de processo, proporcionaram redução de custos e agregação de valor ao produto, elevando o seu preço |
P5 |
Sim. Muito pela busca dos laticínios pelo nosso leite, por causa e com o apoio do Programa |
Sim. Maior aquisição de equipamentos |
Sim. Sim. Pelo maior volume de produção e comercialização, incluindo a abertura de comércio a laticínios |
Sim. Maior rendimento pelas melhorias nos processos (especialmente pastagem) |
Fonte: dados primários (entrevistas)
Dos cinco produtores entrevistados, três afirmaram ter um aumentado a comercialização de leite, sendo que um deles pontuou maior comercialização do queijo. Na questão sobre estímulos ao comércio à montante (suprimentos), apenas um, dos cinco produtores (P3), negou haver alterações e os demais passaram a adquirir maior volume de insumos, sendo que P4 destacou o maior volume de fornecedores, diferenciando, portanto, o mercado fornecedor. Com relação à maior comercialização própria e à jusante (revenda), todos afirmaram maior volume de comercialização após adesão ao Programa. Sobre mais revenda de produtos, apenas P3 negou realizar tal atividade. A maior qualidade do leite a partir da adesão ao PRL foi mencionada como fator principal por P1 e P2, enquanto que para P4 e P5, o motivo foi o maior volume produzido, sendo que P5 destacou o incentivo direto do PRL para abrir a fatia de mercado com comercialização para um laticínio.
Com relação à maior lucratividade, todos produtores entrevistados afirmaram que houve influência positiva do PRL para a maior lucratividade. Dentre os motivos associados ao Programa, o aumento no volume foi evidenciado por P1 e P3; as alterações de processo foram citadas por P1,com relação à melhoria da raça; P4 citou que impactou na redução de custos e; P5 mencionou que a melhoria da pastagem impactou no rendimento e; a agregação de valor ao produto foi referenciada por P2 e P4, sendo que este último, citou o aumento no preço do produto, uma vez que a propriedade elevou suaa lucratividade ao ponto de conseguir operar no mercado com preço mais elevado, em função de melhoria na qualidade do produto ofertado.
Desta forma, no impacto no mercado do PRL sobre as propriedades, verificou-se implicações na materialização do produto (melhorias no já existente como consequência da melhoria dos processos), além da criação de novos produtos, com incremento em vendas em três das propriedades. Destaca-se que, em uma dessas três propriedades, houve a entrada em um novo mercado, com a comercialização para empresa de laticínios e, em todas as propriedades, aumento no volume produzido e maior lucratividade. Assim, os resultados convergem, em sua maioria, com os estudos de Bozeman (2000) Ogunyemi (2013), Borge e Bröring (2017), Bozeman, Rimes, Youtie (2015) e Philippi, Maccari, da Costa (2018). A Figura 1 sintetiza o impacto no mercado do PRL na perspectiva dos receptores (propriedades).
Figura 1 – Síntese das evidências de impacto no mercado do PRL sobre as propriedades
Fonte: elaborada pelas autoras com base nas evidências da pesquisa
A Figura 1 apresenta, resumidamente, os resultados da pesquisa referente aos efeitos do PRL em relação ao ‘impacto no mercado’ sob a perspectiva dos receptores (propriedades).
O Quadro 9 apresenta os efeitos promovidos pela adesão ao PRL nas propriedades., no que se refere ao desenvolvimento econômico local.
Quadro 9 – Desenvolvimento econômico local – empregos e renda
Produtores |
Geração de renda |
Novas oportunidades de trabalho |
P1 |
Não |
Não |
P2 |
Sim. Aos que prestam serviços de manutenção de equipamentos, manutenção da propriedade, construção de cercas etc. |
Sim. Mão de obra |
P3 |
Sim À mão de obra local |
Sim. Mão de obra |
P4 |
Sim. Na propriedade, aos fornecedores e, até mesmo à concorrência |
Sim. Na propriedade e para a concorrência (em busca de qualidade para comercialização) |
P5 |
Sim. Pelo aumento de renda aos envolvidos e aos alunos das universidades que se qualificaram e trabalham na área |
Sim. Mão de obra e comercialização |
Fonte: dados primários (entrevistas)
No Quadro 9, sobre a maior geração de renda em virtude da adesão ao PRL, dos cinco produtores, apenas P1 relatou não ter afetado a renda. Os demais respondentes relataram melhoria nos rendimentos da propriedade (P4 e P5). Além de maior rendimento às próprias propriedades, há os que relataram incrementos nos rendimentos de atividades externas relacionadas às propriedades: prestadores de serviços (P2), mão de obra local (P3) e aos alunos das universidades (P5) que hoje, após qualificação no Programa, trabalham, em sua maioria na área. Houve ainda a manifestação de um dos entrevistados sobre a existência de aumento de rendimentos até mesmo da concorrência (P4)
Sobre novas oportunidades de trabalho, em relação à adesão ao PRL, dos cinco produtores, todos responderam, com exceção de P1, relataram que houve a criação de mais possibilidades de trabalho, considerando, especialmente a capacitação. Um dos entrevistados (P4) ainda relatou que a mudança no modo de realizar o trabalho internamente impulsionou mudanças similares também na concorrência.
Desta maneira, houve incrementos relacionados às categorias geração de renda e novas oportunidades de trabalho na maioria das propriedades. Além disso, quando questionados sobre as implicações do PRL na abertura de novos negócios ou na criação de algum novo posto de trabalho, as respostas apontaram que não, tampouco na especificidade ocorrência à montante e à jusante.
Com relação ao desenvolvimento econômico, o estudo permitiu evidenciar o desenvolvimento apenas local, estando mais consoante ao que apregoa Bozeman (2000) sobre o tímido potencial da TT para o desenvolvimento econômico. Com exceção de uma propriedade estudada, a geração de renda é evidenciada nas propriedades, abrangendo as próprias propriedades e fornecedores e até mesmo o agente (alunos na universidade que participaram ativamente do PRL nas propriedades), o que pode, em estudo futuro ser um indicativo de repercussão no desenvolvimento regional e em outras regiões, conforme a área geográfica em que estão atuando.
Sobre mais empregos, oportunidades de trabalho à montante e à jusante (BOZEMAN, 2000; BORGE; BRÖRING, 2017; BOZEMAN; RIMES; YOUTIE, 2015; PHILIPPI, 2015; PHILIPPI; MACCARI, 2017), o estudo revela a situação apenas internamente nas quatro das propriedades estudadas, mas aponta uma novidade: a geração de oportunidades de trabalho na concorrência. Já, com relação à criação de um novo posto de trabalho (PHILIPPI; MACCARI, 2017), isto não ocorreu nos casos estudados.
Outrossim, não há evidências sobre a abertura de novas empresas, como Harmon et al. (1997), Bozeman (2000) e Bozeman, Rimes, Youtie (2015) apontam ser possível e ou novos negócios, diferentemente do que postulam Borge e Bröring (2017), Bozeman, Rimes e Youtie (2015); Philippi (2015); Philippi, Maccari e Da Costa (2018). A Figura 2 sintetiza os efeitos sobre o desenvolvimento econômico a partir da adesão ao PRL, sob a perspectiva dos receptores (propriedades).
Figura 2 – Síntese das evidências de desenvolvimento econômico do PRL sobre propriedades
Fonte: elaborada pelas autoras com base nas evidências da pesquisa
Ressalta-se que o círculo destacado na Figura trata de um novo achado desta pesquisa, algo não evidenciado nos estudos sobre o desenvolvimento econômico apresentados no subcapítulo 2.1 e, consequentemente, no constructo teórico apresentado no capítulo 3.
Na TT de universidades do PRL, nos cinco casos estudados, identificaram-se efeitos relativos ao impacto no mercado e no desenvolvimento econômico, ainda que de forma mesmo contundente do que em outros estudos, o que pode ser justificado pelo escopo da TT, a começar pelo fato de se caracterizar como informal e pelo porte dos receptores no PRL.
Sobre os efeitos mercadológicos, houve incrementos tanto na produção como na comercialização do leite e derivados, bem como na lucratividade, e em parte dos casos a diversificação da gama de produtos e, particularmente em um a extensão da fatia de mercado, como consequência direta da atuação do PRL.
No desenvolvimento econômico, o impacto foi local, tendo sido sendo identificada maior geração de renda e oportunidades de trabalho, em sua maioria, circunscritas às propriedades, tendo sido evidenciadas, diferentemente do que foi apontado no referencial teórico e no constructo da pesquisa, oportunidades de trabalho na concorrência. Desta maneira, sugere-se que em outros estudos sobre desenvolvimento econômico de TTs a partir de universidades seja verificada esta ocorrência.
As evidências confirmam, em grande parte, os pressupostos destacados na revisão da literatura. Com destaque a um novo achado: no desenvolvimento econômico, em oportunidades de trabalho, ‘a geração de oportunidades de trabalho na concorrência’ pode ser foco de estudos posteriores.
Sobre as limitações da pesquisa, era intenção utilizar também, como instrumento de coleta de dados, a observação não participante, contudo, a pandemia de Covid-19 foi um empecilho para a sua adoção, que tinha o intuito de complementar os dados levantados nas entrevistas. A pandemia limitou o número de participantes da pesquisa, uma vez que mais um produtor poderia ter sido entrevistado, mas não apresentava os recursos tecnológicos necessários para realização da entrevista na modalidade desenvolvida. Por fim, considera-se que a estratégia de pesquisa de estudos de caso, dada a profundidade estabelecida, foi ideal para estudar o tema proposto, embora, como limitação, não apresente a possibilidade de generalização, como ocorre nos estudos de levantamento.
Sugere-se a realização de estudos semelhantes, em outros programas de TT, envolvendo a produção leiteira e de derivados e até mesmo em outras cadeias produtivas como as de Frutas, Legumes e Verduras (FLV), por exemplo, envolvendo igualmente as universidades como agentes e propriedades como receptores. Estudos envolvendo outras dimensões do Modelo de Bozeman (2000), como as políticas e capital humano, científico e técnico, também podem ser realizados com os mesmos entrevistados, bem como em outros casos de cooperação. E, além disso, contemplando os agentes e receptores de TT, como também evidenciado no Modelo de Bozeman (2000), num mesmo estudo.
Outrossim, reforça-se a importância do papel de outros atores, como governos, envolvendo as esferas federal, estadual e municipais, além de entidades de classe na promoção de programas que fortaleçam a cooperação tecnológica e o fornecimento de subsídios para o fortalecimento da produção leiteira. Entende-se que, no contexto das propriedades estudadas, o papel das universidades é relevante, mas que o impacto no mercado e o desenvolvimento econômico podem ser ainda mais expressivos quando são implementadas ações conjuntas, ordenadas e contínuas.
Para o PRL, aconselha-se que os resultados aqui revelados possam ser utilizados na adesão de mais propriedades, fortalecendo assim, a cadeia produtiva do leite local e regional, bem como os processos de cooperação tecnológica que destaquem as contribuições da ciência e das pesquisas tecnológicas desenvolvidas na Universidades como parceiras na solução de problemas da sociedade.
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[1] Pequenas empresas nascentes com modelos de negócios inovadores e com alto potencial de escalabilidade, mas altamente suscetíveis a riscos (FONSECA, 2019).
[2] Empreendimentos que comercializam resultados de pesquisa e conhecimento científico de universidades (TORRES; INVERNIZZI, 2022).
[3] Capim conhecido como capim elefante (Pennisetum purpureum). Tipo de espécie de pastagem utilizada em propriedades leiteiras com características favoráveis à produção animal (PEREIRA et al, 2011).