João Alexandre Paschoalin Filho, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7356-0779;Universidade Nove de Julho - São Paulo - SP – Brasil. E-mail: jalexandre@uni9.pro.br.
Daniela Belchior Brito, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1273-3442; Universidade Nove de Julho - São Paulo - SP – Brasil. E-mail: daniela.belchior@gmail.com.
John Fredy Lopéz-Pérez, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1372-6252; Universidad de Medellín – Colômbia. E-mail: jflopez@udem.edu.co.
António José Guerner Dias, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1848-2234; Faculdade de Ciências da Universidade do Porto – Portugal. E-mail: agdias@fc.up.pt
Resumo
A COVID-19 afetou os hábitos das populações: trabalho, estudo, mobilidade e relações interpessoais, tornando mais evidente as diferenças sociais. De uma forma geral, os governos vêm tomando ações no intuito de combater a pandemia e mitigar a velocidade de contaminação. Todavia, em muitos casos, estas ações têm se demonstrado desconectadas com a população. Dentro deste contexto, este artigo tem por intuito demonstrar a visão dos habitantes de São Paulo e Medellín acerca da efetividade das ações conduzidas pelos governos municipais, a fim de identificar situações em comum e contrastes. Para tal, foi conduzido um estudo de casos múltiplos em que munícipes foram entrevistados. Em seguida, as entrevistas foram transcritas e analisadas. A visão da população impactada pela pandemia é importante para a avaliação de políticas públicas em andamento e para o planejamento das ações a serem tomadas, de forma a garantir a resiliência das cidades em relação à crise estabelecida.
Palavras-chave: COVID-19. Planejamento urbano. Resiliência urbana. Saúde Coletiva
Abstract
COVID-19 affected the habits of populations: work, study, mobility, and interpersonal relationships and highlighted social differences, hitherto ignored. In general, governments have been taking actions to combat the pandemic and mitigate the speed of contamination. However, in many cases, these actions are disconnected from the population. Within this context, this article aims to demonstrate the view of the inhabitants of São Paulo and Medellín about the effectiveness of actions carried out by municipal governments to identify situations in common and contrasts. To this end, a multiple case study was conducted in which citizens were interviewed. Then, the interviews were transcribed and analyzed. The vision of the population impacted by the pandemic is essential for evaluating public policies in progress and for the planning of actions to guarantee the resilience of cities concerning the established crisis.
Keywords: COVID-19. Urban planning. Urban resilience. Collective Health.
O estado de pandemia, causado pela COVID-19, foi declarado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 11 de março de 2020 (ZHONG, et al., 2020). De acordo com Maciel, Silva e Farias (2020) a COVID-19 foi responsável pela sobrecarga na saúde pública em diversos países pelo mundo, tanto desenvolvidos, quanto em desenvolvimento.
A pandemia resultou em 626.030.881 casos confirmados, 6.571.803 de mortes e mais de 12 bilhões de doses de vacina administradas em todo o mundo até o dia 10/10/2022, conforme o portal online do Centro de Pesquisas do Coronavírus Johns Hopkins (2022).
A doença é altamente infecciosa e seus principais sintomas são: tosse seca, fadiga, mialgia, febre e dispneia (ZHONG et. al., 2020). Segundo Guimarães et al. (2020) pandemia do novo coronavírus não pode ser considerada um problema usual de saúde pública devido às dificuldades de enfrentamento à doença em um mundo globalizado.
Desde o dia em que foi decretada a pandemia, a comunidade científica tem se esforçado para lançar luz sobre os mecanismos que impulsionam a propagação do vírus, seus impactos ambientais e socioeconômicos. Desai (2020) comenta que muitos pesquisadores estão se esforçando para explorar a dinâmica da pandemia em áreas urbanas a fim de compreender os impactos da COVID-19 nas cidades. Segundo Desai (2020), os mecanismos de resposta à pandemia, tais como as políticas públicas, diferem de um contexto para outro, e nem sempre é possível aplicar ações idênticas à diferentes cidades. Para o autor, quanto maior a densidade populacional do município, maior a susceptibilidade à propagação do vírus.
Entretanto, é verdade que pandemia de COVID-19 também pode proporcionar uma oportunidade de se desenvolver, avaliar e aplicar políticas e ferramentas para a gestão de crises, para proporcionar melhor qualidade do ambiente urbano e bem-estar social (KUMMITHA; CRUTZEN, 2017, JAMES; JALISINSKA; SMITH, 2020).
Assim sendo, também pode ser esperado o desenvolvimento de cidades mais inteligentes, pois o cotidiano das pessoas vem sendo alterado pela crescente preferência pelo teletrabalho, telemedicina, comércio eletrônico, educação à distância, etc. Para Banai (2020), as pandemias expõem, em simultâneo, a vulnerabilidade e a resiliência das cidades de forma explícita, servindo também como agentes de mudanças para o planejamento de cidades globalmente.
Diante deste contexto, a questão de pesquisa que orientou este artigo foi: “Qual a visão dos indivíduos acerca da influência da pandemia de COVID-19 no cotidiano (políticas, econômicas e sociais) de suas cidades?”
Esta questão se justifica pela necessidade de identificar como a pandemia afetou as cidades e como foram evidenciadas as desigualdades sociais em locais caracterizadas por sua importância política e econômica, além de densamente povoados. Entende-se, neste artigo, a importância de identificar como as populações sentiram as mudanças criadas pela pandemia; como os cidadãos avaliaram as mudanças nas modalidades de trabalho e educação; como foram percebidas as alterações relacionadas ao uso dos modais de transporte público; como as populações mais vulneráveis descreveram as ações de ajuda de seus governos e, por fim, a investigação de tendências em configurações do espaço urbano para resguardar as necessidades de segurança em saúde e às demandas de transporte e moradias seguras que possibilitem maior resiliência diante de eventos semelhantes.
Para tal, foram entrevistados munícipes das cidades de São Paulo (Brasil) e Medellín (Colômbia). A justificativa da escolha de ambas as localidades reside no fato destas serem cidades latino-americanas de grande relevância para seus países; bem como por enfrentarem problemas sociais, políticos, de governança e econômicos semelhantes. As entrevistas buscaram investigar a questão de pesquisa levantada e os conteúdos textuais foram analisados com o uso do software IRAMUTEQ e discutidas por meio de triangulação com a literatura levantada.
Portanto, esta pesquisa tem por intuito demonstrar a importância da adoção e fiscalização de medidas de contenção da pandemia e a adaptação dessas para os diferentes contextos das cidades impactadas, considerando as fragilidades e potencialidades de cada território e sociedade.
O primeiro caso de COVID-19 na cidade de São Paulo foi registrado em 25 de fevereiro de 2020 em um hospital privado no bairro do Morumbi. Desde então, o governo do Estado de São Paulo fechou escolas, universidades, lojas e restaurantes. Órgãos públicos reduziram seu horário de atendimento, enquanto muitas empresas enviaram seus funcionários para trabalhar a partir de casa (OLIVEIRA ANDRADE, 2020). Na cidade de São Paulo, até a data de 10/03/2022, foram registrados 1,04 milhões de casos, com 41,8 mil óbitos. No Brasil, até data considerada, 29,19 milhões de casos e 653,5 mil óbitos já foram contabilizados.
Dentre as ações tomadas para se retardar/evitar o contágio das pessoas, o distanciamento social foi tratado de forma heterogênea pelas políticas públicas, implicando em disparidades nas restrições de comércios, escolas e atividades de potencial de aglomeração. Este fenômeno foi analisado por Pereira et al. (2020) que constataram uma fraca coordenação por parte do governo federal e excesso de rigor por parte das esferas estadual e municipal, indicando que as medidas de distanciamento foram, muitas vezes, orientadas mais por questões políticas do que técnicas.
Esta desconexão entre esferas governamentais, segundo Pereira et al. (2020) contribui para a desconfiança da população em relação às ações de combate a pandemia. Storopoli et al. (2020) constataram que a adesão as medidas preventivas a pandemia é influenciada fortemente pela confiança que a população possui nas instituições e governos (federal, estadual e municipal).
Apesar dos efeitos negativos advindos da pandemia, tais como recessão econômica, sobrecarga do sistema público de saúde, elevado número de óbitos, perda de postos de trabalho, empobrecimento da população, entre outros; alguns problemas tradicionais da cidade de São Paulo foram, de certa forma, suavizados. Debone et al. (2020) identificaram uma melhora significativa da qualidade do ar do município durante os noventa dias de quarentena impostos pelo governo estadual. A queda da poluição poupou o município, segundo os autores, cerca de US$ 720 milhões de gastos na saúde, decorrentes de óbitos e doenças causadas pela poluição do ar no município.
A pandemia, na cidade de São Paulo, também incentivou a utilização de ferramentas tecnológicas, tanto por parte do governo, bem como pela população em geral. Schreiber (2020) relata que o governo do Estado de São Paulo firmou uma parceria com empresas de telefonia celular no intuito de monitorar a eficiência do isolamento social e analisar a adesão da população às medidas de restrição impostas. De Lima e Tumbo (2021) relatam que o ensino, em todos os níveis (fundamental, básico, médio e superior), teve de ser adaptado para ser oferecido em modalidade a distância pela internet. Contudo, segundo os autores, apesar de a internet ter possibilitado o uso de novos recursos didáticos e pedagógicos disponíveis a docentes e estudantes, em relação às aulas tradicionais, uma parcela da população estudantil (principalmente composta por indivíduos de baixa renda) acabou sendo excluída dessa realidade, em função da falta de acesso à internet e a equipamentos eletrônicos adequados.
As dinâmicas do mercado de trabalho também sofreram alterações significativas. Muitas empresas liberaram seus funcionários para que estes pudessem conduzir suas atividades profissionais de suas residências (home office). Para De Lima e Tumbo (2021) e Debone et al. (2020), esta situação influenciou significativamente na redução do trânsito paulistano, sendo esta apontada como uma das causas da melhoria da qualidade do ar e redução da poluição atmosférica. Na dimensão social, Andion (2020) destaca a ocorrência de ações de solidariedade desde a declaração da pandemia por parte da sociedade civil na região Sudeste do Brasil, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Contudo, Cárdenas et al. (2020), relatam ser provável que a crise gerada pela pandemia cause um aumento da desigualdade econômica nos países da América Latina devido ao menor desenvolvimento do estado de bem-estar, sistemas de saúde enfraquecidos, sistemas tributários limitados, aumento do emprego informal, controle da agenda pública pelas elites empresariais e acesso diferenciado a recursos tecnológicos e disponibilidade de poupança. Incluindo ainda a fragilidade das moedas latino-americanas que indicam maiores riscos de inflação e instabilidade econômica, contrariando a construção de políticas coordenadas de distribuição de renda e o aumento dos gastos sociais.
A cidade de Medellín (província de Antioquia) segunda maior cidade da Colômbia, tem 2.508 milhões de habitantes, conforme o site do governo de Medellín (2021), sendo uma conurbação com outros nove municípios formando uma área metropolitana de mais de quatro milhões de habitantes, que representam cerca de 60% de toda a província de Antioquia.
As mudanças ocorridas nas duas últimas décadas em Medellín resultaram na modernização urbana e na transformação social com a inclusão da população nas soluções aos problemas relacionados à mobilidade e à sustentabilidade. Houve também a orientação de políticas públicas para as áreas mais vulneráveis, que possibilitaram a inserção nos processos culturais, econômicos e sociais. Desta forma, foram estruturados programas públicos com foco em educação, empreendedorismo e inovação, que incentivaram o fortalecimento do ensino público e a implantação de equipamentos culturais e de lazer, além de infraestrutura de transporte como apoio na viabilidade destes benefícios para todos (TRINDADE et al., 2017).
Nas favelas de Medellín e em seus assentamentos informais, quase toda a população, vive em situação de pobreza. Nestes locais há níveis de informalidade trabalhista que podem ultrapassar 50% (ORTIZ et al., 2018). No caso da água, por exemplo, organizações sociais pressionam o governo municipal há décadas para facilitar o acesso das comunidades à água potável, torná-la pública e apoiar o trabalho realizado por aquedutos comunitários sem fins lucrativos na área urbana. (MOLINA-BETANCUR et al., 2020).
Na Colômbia, em 6 de março de 2020, o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado na cidade de Bogotá. (LARA; CRUZ, 2021). Segundo os dados obtidos até o dia 10/03/2022, pelo site da prefeitura de Medellín, no local, já havia 523.227 casos de COVID-19 e 10.041 óbitos (98% de recuperação e 1,92% de letalidade). Em relação aos números totais da Colômbia, tem-se 6,07 milhões de casos e 135 mil mortes no mesmo período.
Molina-Betancur et al. (2020) comentam que, no levantamento das necessidades sociais, diante da crise da COVID-19, Medellín se apresentou com limitação de recursos e ajuda do governo e das instituições. No entanto, uma resposta social organizada ocorreu em algumas comunidades, com alta participação da população, como uma forma potencialmente eficaz para controlar a pandemia. Segundo o autor, em um cenário pós-pandemia, as comunidades terão que enfrentar a reativação social e econômica devido às condições de deterioramento social históricas, entre estas a informalidade laboral, além de reagir eficazmente às múltiplas consequências sociais e psicológicas, novas ondas de COVID-19 ou outras pandemias.
A adoção da quarentena consistiu em uma ação mundialmente adotada no intuito de combater a disseminação do coronavírus (Sarscov-19). Entretanto, na Colômbia, a quarentena impediu as pessoas de se movimentarem livremente pelas cidades e obrigou a população a ficar em casa. Foi permitida apenas a produção de bens e serviços essenciais. As restrições não se aplicaram à mobilidade de trabalhadores e profissionais de saúde, saneamento, segurança privada e serviços públicos, serviços de emergência. Salamanca e Vargas (2020) relatam que a ajuda financeira proporcionada pelo governo colombiano para a população mais carente, a qual mais sofreu com o isolamento da quarentena, não foi suficiente para alguns lares, o que dificultou a adesão da população de baixa renda ao lockdown.
Segundo Corburn et al. (2020), os países menos desenvolvidos, com as populações mais pobres, são os que mais estão sofrendo com os efeitos da pandemia. Para o autor, isso ocorre uma vez que estes países se encontram menos preparados para uma crise, como a gerada pela COVID-19, uma vez que as necessidades básicas saio para beber, saneamento básico, coleta de lixo, moradia já são escassas ou inexistentes. Além disso, as restrições de espaço, a violência e a superlotação nas comunidades carentes tornam o distanciamento físico e a quarentena impraticáveis.
A alta da taxa desemprego na Colômbia, de acordo com Lara e Cruz (2021), consiste em um indicador de que medidas de proteção do emprego, ajuda às pequenas e médias empresas, entre outras, não têm sido suficientes para mitigar os efeitos da crise no mercado de trabalho devido à pandemia.
Como forma de dar suporte aos empresários, o Governo colombiano promulgou a Lei 2.088 de 2.021, que regulamenta a habilitação do trabalho no domicílio como forma de prestação de serviço nas seguintes situações: ocasional, excepcional ou especial; ocorrendo no âmbito de um relacionamento trabalhista, legal e regulamentar com o Estado ou com o setor privado (LARA; CRUZ, 2021).
Os efeitos decorrentes das medidas de isolamento social puderam ser sentidos em Medellín, onde apenas cerca de 19% das empresas do setor comercial da cidade permaneceram em operação; e em termos de vínculo empregatício, apenas 18% das pessoas que trabalhavam formalmente continuaram trabalhando (MEDELLÍN, 2020).
Molina-Betancur et al. (2020) destacam o papel fundamental desempenhado pelos meios de comunicação comunitários em Medellín (rádios e portais web, entre outros) na transmissão de mensagens sobre prevenção, higiene e saúde pública. Segundo o autor, foram criados em diversas comunidades espaços que incentivaram a criatividade, o diálogo de conhecimento, debates e a reflexão de jovens e lideranças; não só em torno do caráter eminente da crise gerada pela pandemia, mas também discussões acerca do futuro destes territórios em uma situação pós-pandêmica.
A seguir, são apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para a obtenção dos dados necessários a esta pesquisa. O Quadro 1 a seguir, demonstra o delineamento desta pesquisa, sua classificação e procedimentos utilizados:
Quadro 1 – Matriz metodológica da pesquisa.
Matriz Metodológica |
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Natureza da pesquisa |
Qualitativa |
Taquette e Borges (2021) |
Abordagem metodológica |
Exploratória |
Mathias-Pereira (2016), Gil (2002) |
Método |
Estudo de casos múltiplos |
Yin (2017), Gil (2002) |
Unidade de análise |
Efeitos socioeconômicos gerados pela pandemia do novo coronavírus em diferentes localidades. |
Kummitha e Crutzen (2017), James et al. (2020), Banai (2020)
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Procedimento de coleta de dados |
Revisão bibliográfica e realização de entrevistas |
Gil (2002), Pereira et al. (2018) |
Instrumento de coleta de dados. |
Roteiro semiestruturado de entrevista |
Gil (2002), Pereira et al. (2018), Yin (2017) |
Análise de dados |
Análise de conteúdo, triangulação de dados |
Gil (2002), Pereira et al. (2018), Yin (2017), Franco (2020) |
Fonte: Elaborado pelos Autores
Para a realização das entrevistas, foi elaborado um roteiro constituído por 9 questões distribuídas em 3 eixos temáticos: a) socioeconômico; b) gestão e c) espaço urbano. As questões, bem como as referências utilizadas para a formulação destas, são apresentadas no quadro 2.
Quadro 2 – Questões utilizadas no roteiro de pesquisa em cada eixo.
Efeitos Socioeconômicos da Pandemia — COVID19 |
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Eixo 1: Socioeconômico |
1 |
Quais mudanças você teve de adotar em relação ao seu cotidiano e de seus familiares desde as medidas de restrição impostas e quais destas mudanças você acredita que irão permanecer após a pandemia? |
Bachman (2020). |
2 |
Em relação à educação e ao trabalho, qual a sua percepção acerca de como a pandemia está afetando estas duas áreas? |
Lara e Cruz (2021) |
|
3 |
Como você avalia a situação econômica atual do país desde que a pandemia foi decretada em março de 2020 e quais suas perspectivas para o futuro (daqui até 2 anos)? |
Sharif e Khavarian-Garmsir (2020) |
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Eixo 2: Gestão pública |
4 |
Qual a sua opinião acerca da atuação dos governantes (federal, estadual, municipal) em relação ao combate da pandemia? |
Sharif e Khavarian-Garmsir (2020) |
5 |
Uma das medidas que vêm sendo tomadas por governantes no combate à pandemia, consiste no fechamento de bares, restaurantes e comércios em geral. Como você avalia a efetividade desta medida? |
Rajan et al. (2020), Iwuoha e Aniche, (2020) |
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6 |
Como você avalia o programa de vacinação que está sendo realizado pelo governo do local onde você reside? |
Velavan e Meyer (2020) |
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Eixo 3: Espaço Urbano |
7 |
Como você se comportou diante das medidas de restrição impostas? Descreva também sua percepção acerca destas regras. |
Salamanca e Vargas (2020) |
8 |
Como você avalia as políticas dos governos em relação à mobilidade urbana nos tempos de pandemia (transporte público, rodízio de veículos, restrições em voos, etc.)? |
Cartenì et al. (2020) |
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9 |
Como você avalia a ação dos governantes em impedir a utilização de parques e demais áreas de lazer públicos como ação de combate à pandemia de COVID-19? |
Ezeibe et al. (2020) |
Fonte: Elaborado pelos Autores
Foram entrevistados os cidadãos das cidades de São Paulo e Medellín sobre questões cotidianas, de modo a observar seus hábitos, preocupações e expectativas diante da pandemia pela COVID-19. Para Yin (2017), as observações diretas são importantes justamente porque buscam evidências. Por meio delas entra-se em contato com o fenômeno em estudo.
As entrevistas tiveram autorização dos respondentes, em condições que não lhes infligiram qualquer possibilidade de risco ou dano de qualquer espécie. As entrevistas foram conduzidas consoante o artigo 1º da Resolução n.º 510 de 2016; não sendo necessário submeter o projeto desta pesquisa, bem como a ferramenta de coleta de dados para apreciação em Comitê de Ética, uma vez que todas as informações, tanto dos agentes entrevistados, foram mantidas em sigilo (BRASIL, 2016).
Para a interpretação das informações coletadas, as gravações foram transcritas para a Análise de Conteúdo (FRANCO, 2020), a qual é uma metodologia de natureza qualitativa que analisa as respostas fornecidas pelos entrevistados, propiciando o aprofundamento e maior compreensão dos temas investigados. Dentre as várias abordagens da pesquisa qualitativa, a Análise de Conteúdo é a que melhor possibilita as respostas às questões de pesquisa, pois permite uma compreensão ampla do fenômeno em questão. Uma vez transcritos, os conteúdos das entrevistas foram analisados por meio da utilização do software Iramuteq. As análises processadas foram as seguintes: a) Lexicografia Básica- estatísticas textuais clássicas; b) Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e, c) Análise de Similitude.
4.1.1 Análise das entrevistas: São Paulo
Foram entrevistados 39 moradores da cidade de diferentes idades, conforme Figura 1:
Figura 1 - Faixa etária dos respondentes do município de São Paulo
Fonte: Elaborado pelos Autores
Figura 2 – Distribuição de gênero dos respondentes do município de São Paulo
Fonte: Elaborado pelos Autores
Figura 3 – Nível de escolaridade informado pelos respondentes do município de São Paulo
Fonte: Elaborado pelos Autores
No período que as entrevistas foram conduzidas, 56,4% dos entrevistados já haviam sido contaminados pelo novo coronavírus ou tiveram familiares próximos contaminados, o que levou a 97,4% dos munícipes a apresentarem intenção de se vacinarem, visto que, neste período ainda havia incertezas e indisponibilidade em relação à vacinação. Em relação à escolaridade dos entrevistados, 89,7% declararam possuir nível técnico ou superior.
A Figura 4 apresenta as palavras citadas com maior frequência em cada um dos eixos estudados:
Figura 4 - Quantidade de formas ativas mais repetidas no conteúdo de cada eixo consoante os entrevistados em São Paulo.
Fonte: Elaborado pelos Autores
Segundo a Figura 4, a palavra “trabalho” foi a que mais se repetiu (41 vezes) no eixo socioeconômico, enquanto no eixo gestão, houve mais incidência da palavra “governo” (34 vezes) e no eixo espaço urbano a palavra que mais se revela é “pessoa” (37 repetições). As palavras “pandemia”, “medida (no sentido de ação tomada)” e “casa” são bastante presentes no corpus textual, variando as repetições de acordo com os eixos.
No processamento do corpus foram classificados 306 segmentos de texto, dos quais 208 foram aproveitados, ou seja, 67,97%. De acordo com Souza et al. (2018), um aproveitamento de mais de 60% dos segmentos conduz a uma boa representatividade, resultando em uma análise estatisticamente significativa. Os segmentos de texto aproveitados foram divididos em classes e organizados por meio do dendrograma a seguir:
Figura 5- Dendograma com a porcentagem de segmento de textos em cada Classe e palavras com maior qui-quadrado na análise de São Paulo.
Fonte: Elaborado pelos Autores
A relação R1 é formada pelas classes 3 e 5 (totalizando 46,16% dos segmentos analisados). As palavras de maior significância (representadas em tamanho maior) foram: “transporte”, “efeito”, “público”, “medida”, “lotado”, “regra”, “restrição, ”respeito”, “parque”, “orientação” e “pessoa”. Estas classes remetem aos eixos 2 e 3 do roteiro de entrevista. Assim, pode-se denominar a R1 como: “Preocupação com as medidas de restrição e mobilidade urbana”. A relação R2 é caracterizada pelas classes 4 e 1 (totalizando 36,06% dos segmentos analisados). As palavras de maior significância foram: “federal”, “governo”, “estadual”, “municipal”, “planejamento”, “econômico”, “situação”, “vacina” e “perspectiva”. Desta forma, esta relação pode ser denominada: “Impacto das decisões governamentais no combate à doença”. Na relação R3 observa-se que a classe 2 encontra-se mais isolada em relação aos demais, contudo demonstrando relação com todas as outras e com uma representatividade de 17,31% dos segmentos analisados. Com a representação das palavras “máscara”, “álcool”, “gel”, “higienização”, “cuidado” e “distanciamento”, por exemplo, a classe se caracteriza pela demonstração da importância dos cuidados pessoais no combate à contaminação; cuidados estes que se aplicam a todos os eixos analisados através da soma com as relações R1 e R2. Portanto, esta relação pode ser denominada como: “Responsabilidades individuais no combate à pandemia”. O Quadro 3 sintetiza as informações obtidas por meio do dendrograma da Figura 3.
Quadro 3 - Síntese das análises dos discursos obtidos
Relações |
Classes |
Tema central identificado no discurso. |
R1 |
5 e 3 |
Preocupações com as medidas de restrição e situação na mobilidade urbana |
R2 |
4 e 1 |
Impactos das decisões governamentais no combate à pandemia no cotidiano |
R3 |
2+R1+R2 |
Responsabilidade individuais no combate à pandemia. |
Fonte: Elaborado pelos Autores
O gráfico de similitude apresenta segmentos de texto agrupados de tal forma que estes possuam relações entre si. Quanto maior o tamanho da palavra, mais significativa esta é na área delimitada. As ligações entre as palavras também trazem ideia de força da relação entre estas, ou seja, quanto mais espessa a ligação, mais força esta possui. A seguir, é apresentada a análise similitude obtida para o corpus em estudo.
Figura 6 - Similitude obtida para o corpus em estudo na análise de São Paulo
Fonte: Elaborado pelos Autores.
Conforme a Figura 6 pode-se observar que as palavras “pandemia”, “medida” e “público” são as que se apresentam com maior destaque. À direita do gráfico, com forte ligação ao eixo central, há um polo com a palavra “trabalho” como centralizadora e a partir desta têm-se desdobramentos em: “população”, “vacinação”, “educação”, “estudar”, “casa”, “máscara”, “higienização”, “distância” e “EaD”. Nestas relações é importante destacar o desafio à continuidade das atividades de maneira remota, tanto às empresas como às instituições de ensino, neste sentido, os entrevistados discorreram sobre a preocupação sobre escolaridade futura e com as famílias que não possuem recursos tecnológicos para dar suporte na adaptação à modalidade à distância. Observa-se que há uma linha espessa de ligação entre “trabalho” e “casa” e “educação”, demonstrando a forte presença das atividades remotas.
A ramificação a partir de “pandemia” se relaciona principalmente com “governo”. As demais relações são: “vacina”, “planejamento”, “comércio”, “emprego”, “desemprego”, “enfrentamento”, “economia”, “contaminação”, “política” e “sociedade”. Estas relações demonstram os efeitos na economia e a responsabilidade dos governos.
Ainda na parte central deste gráfico, a palavra “medida” que se relaciona para demonstrar os efeitos das medidas adotadas pelo governo brasileiro para as famílias, representados pelas palavras “isolamento”, “aglomeração”, vírus” e “doença”. Esta análise aponta para os discursos que indicaram os efeitos indesejados decorrentes das medidas adotadas, levando à maior preocupação com a contaminação.
As palavras que se relacionam com “público” indicam a problemática enfrentada os transportes durante o período das restrições. Esta indicação por ser observada por meio da relação entre o eixo central do halo “público” à “transporte”, seguido de “aglomerar”, “restrição” e “conscientização”. Nesta análise percebe-se uma preocupação com a contaminação através de aglomerações e necessidade de deslocamento para as pessoas que não tiveram a oportunidade de se manter em isolamento. Neste sentido, as ligações “cidade”, “ônibus”, “trem”, metrô”, “distanciamento” e “lockdown” exemplificam as situações demonstradas.
O roteiro de entrevista foi aplicado aos moradores de Medellín durante o mês de abril de 2021, sendo conduzida 56 entrevistas. A Figura a seguir, demonstra a faixa etária dos respondentes:
Figura 7 - Faixa etária dos respondentes da cidade de Medellín
Fonte: Elaborados pelos Autores
Figura 8 - Distribuição de gênero dos respondentes da cidade de Medellín
Fonte: Elaborados pelos Autores
Figura 9 - Nível de escolaridade informado pelos respondentes da cidade de Medellín
Fonte: Elaborados pelos Autores
No período que a entrevista foi aplicada, 75% dos entrevistados haviam sido contaminados pelo novo coronavírus ou tiveram familiares próximos contaminados, o que levou a 83,9% dos entrevistados a apresentarem intenção de se vacinarem.
A Figura 10 apresenta as palavras citadas com maior frequência em cada um dos eixos estudados:
Figura 10 — Quantidade de formas ativas mais repetidas no conteúdo de cada eixo de acordo com os entrevistados em Medellín.
Fonte: Elaborado pelos Autores
Nesta representação observa-se que as palavras “medida”, “país”, “pessoa”, “situação” e “espaço” aparecem com frequência nos três eixos. A palavra “cumprir” mais presente no eixo 3 (espaço urbano), relacionada ao cumprimento das regras de restrição impostas aos ambientes públicos, também aparece nos demais eixos relacionados ao cumprimento das recomendações de proteção individual, como no uso de máscaras (menções presentes no eixo 1) e às determinações governamentais de isolamento social e fechamento de estabelecimentos tratados no eixo 2 (gestão). No eixo 2 “medida” se relaciona com “gestão” na indicação de desigualdade e mau planejamento, além da falta de fiscalização no cumprimento das “medidas”, argumentos bastante citados nas entrevistas.
No processamento do corpus foram classificados 306 segmentos de texto, dos quais 208 foram aproveitados (60,83%). Os segmentos de texto aproveitados foram divididos em classes e organizados por meio do dendrograma a seguir:
Figura 11 — Dendograma com a porcentagem de segmento de textos em cada Classe e palavras com maior qui-quadrado na análise de Medellín.
Fonte: Elaborado pelos Autores
Pode-se observar que o dendograma foi dividido em cinco classes. Para melhor análise, o Iramuteq demonstra as relações (Rs) entre as classes, denominadas R1, R2 e R3.
As relações R1 e R2 representam 39,4% cada uma do corpus textual analisado, juntas, totalizam 78,8%, ou seja, apresentam significâncias equivalentes e a maioria do conteúdo. A R1 é a soma das porcentagens das classes 3 e 4 (21,2% e 18,2%, respectivamente).
Sendo assim, na classe 3 os segmentos analisados e demonstram por meio das declarações dos respondentes a situação econômica gerada pela pandemia. A classe 4 (com 18,2%) apresenta a preocupação com o programa da vacinação.
A R2 mostrada no dendograma pelas classes 1 e 5 somam, também, 39,4% dos segmentos analisados. Esta relação demonstra a importância aos respondentes de cumprir com as medidas recomendadas e, por outro lado, a percepção de que não há controle sobre as aglomerações nos transportes públicos.
Na R3, a classe 2 é somada às relações R1 e R2. A classe 2 (com 21,2%) está englobando todas as outras, se caracterizando pela demonstração do impacto da pandemia perante as atividades cotidianas básicas, que sofreram alteração em suas modalidades, que no que lhe concerne, interfere nos temas tratados nas demais classes. Estas relações podem ser resumidas segundo o Quadro 4 a seguir:
Quadro 4 - Resumo das relações entre as classes da análise da CHD de Medellín
Relações |
Classes |
Tema central identificado no discurso. |
R1 |
3 e 4 |
Situação geral econômica diante das expectativas da vacina |
R2 |
1 e 5 |
Riscos de exposição ao vírus e a importância do respeito às medidas adotadas de prevenção. |
R3 |
2+R1+R2 |
Impactos no trabalho e ensino causados pela pandemia. |
Fonte: Elaborado pelos Autores
A análise de similitude é a seguir apresentada:
Figura 12 — Gráfico de similitude obtido para o corpus em estudo da análise de Medellín.
Fonte: Elaborado pelos Autores
Na Figura 12, diretamente relacionada à “trabalho” aparece a palavra “casa”, demonstrando a importância das moradias durante o período das restrições. Esta relação é demonstrada por meio dos desdobramentos do halo nas palavras “educação”, “emprego”, “quarentena”, “confinamento”, “restrição”, “teletrabalho”, “estudo” e “isolamento”, como alguns exemplos. Desta forma, estas ramificações abrangem aspectos relacionados às mudanças nas atividades cotidianas com as medidas adotadas.
Na parte mais central do gráfico “pandemia” se associa de maneira a indicar as menções nos discursos sobre a responsabilidade do governo perante uma gestão direcionada à proteção da população diante da contaminação, considerando a mobilidade urbana. Na sequência do desdobramento do gráfico, há o halo onde se centraliza “país” se relacionando com “desemprego”, “economia”, “planejamento”, “saúde” e “fechamento” expressando assim, a visão dos entrevistados sobre a economia colombiana. Este halo ainda está ligado a “contágio” que, no que lhe concerne, se relaciona à “transporte”, seguidos de “cidade”, “metrô” e “aglomeração”. Esta análise demonstra o apontamento pelos entrevistados sobre a situação econômica do país, contribuiu para que muitas pessoas precisassem se expor à contaminação para manterem suas condições de vida.
Os quadros seguintes apresentam comparações entre as sínteses dos discursos analisados, considerando cada eixo em estudos:
Quadro 5 – Comparação entre as sínteses dos discursos analisados. Eixo 1: Socioeconômico
Eixo |
São Paulo |
Medellín |
1.Socioeconômico |
Os discursos demonstraram o conflito entre as medidas de isolamento adotas pela prefeitura e a preocupação dos entrevistados com a manutenção do emprego e renda.
Muitos entrevistados afirmaram que o fechamento de comércios e o isolamento social imposto foram responsáveis por dificuldades financeiras para as famílias e desemprego. |
A situação econômica gerada pela pandemia, contribuiu para altos prejuízos financeiros, taxas de desemprego e falência de prestadores de serviço, comerciantes e profissionais autônomos. Demonstra que a crise é mais forte nas populações vulneráveis, o que condiz com as desigualdades sociais da cidade.
Na área da educação, foi mencionada a perda de socialização e a dificuldade de adaptação às tecnologias, além da falta de recursos para dar suporte às atividades online. |
Síntese dos discursos analisados
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Nas duas cidades, os entrevistados apontaram grandes dificuldades econômicas decorrentes das medidas de restrição adotadas pelos governos locais, além da dificuldade em manter as atividades de trabalho e estudo de maneira remota. |
Fonte: Elaborado pelos Autores
Quadro 6 - Comparação entre as sínteses dos discursos analisados. Eixo 2: Gestão Pública
Eixo |
São Paulo |
Medellín |
2.Gestão Pública |
Os discursos apresentaram que governos (federal, estadual e municipal) atuaram descoordenadamente na adoção de medidas de combate à pandemia, sendo que, muitas vezes, as ações tomadas entre pelas esferas governamentais demonstram-se conflitantes entre si. |
Foi destacada a influência da corrupção na tomada de decisões no combate à pandemia, com o favorecimento a grandes empresários e instituições financeiras.
Pouca capacidade do governo de planejamento para o combate à pandemia. Atuação desigual nas medidas de restrição e a lentidão nas negociações das vacinas.
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Síntese dos discursos analisados
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Em ambas as cidades o discurso sobre as medidas adotadas pelos governantes foi caracterizado pelo improviso e pela falta de planejamento e direcionamento às características e necessidades locais. |
Fonte: Elaborado pelos Autores
Quadro 7 - Comparação entre as sínteses dos discursos analisados. Eixo 3: Espaço Urbano
Eixo |
São Paulo |
Medellín |
3.Espaço urbano |
Os parques foram indicados como locais de menor risco de contaminação. Os discursos também apontaram a preocupação dos munícipes com a lotação dos modais de transporte público, em relação à possibilidade e contaminação com a COVID-19. Segundo os entrevistados, a prefeitura foi pouco eficiente em relação ao gerenciamento do problema do transporte público. Os discursos também ressaltaram o isolamento que vem causando impactos psicológicos, fisiológicos e sociais importantes.
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Pelos discursos, foi observada a alta incidência das palavras relacionadas ao cumprimento e obediência às regras de restrição ao uso de espaços públicos. Foi possível observar que estas medidas de restrição impulsionaram o uso de carros particulares e que o toque de recolher gerou mais trânsito e aglomerações, contribuindo assim para maior contaminação das pessoas, assim como as restrições de espaço, e a superlotação de moradias que tornam o distanciamento físico e a quarentena difíceis de serem praticadas (CORBURN, et al., 2020).
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Síntese dos discursos analisados
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Em São Paulo, os entrevistados apontaram maiores prejuízos pessoais na impossibilidade de frequentar parques e áreas públicas, tendo com comparação a situação enfrentada nos transportes públicos. Já em Medellín foi apontada a dificuldade na adequação às medidas de restrição aos espaços públicos diante da realidade econômica enfrentada pelos seus habitantes. Um conflito relevante com as medidas de longo prazo prende-se com a tendência cultural das populações ao uso intensivo do espaço público como local de encontro, convívio, lazer e frequentes celebrações festivas. |
Fonte: Elaborado pelos Autores
Foi observado que os cidadãos entrevistados apresentaram opiniões concordantes com as medidas de contenção adotadas localmente e se mostraram dispostos a aderir hábitos que promovessem a proteção da saúde individual e coletiva; também demonstraram preocupações com os aspectos econômicos da sociedade. Estas opiniões corroboram com o estudo de Gonçalves (2017) e Bispo e Morais (2020), que apontam a preocupação com a própria saúde como um importante preditor para o engajamento voluntário para seguir as recomendações contra a COVID-19.
A população investigada de ambas as localidades demonstrou desconfiança com as decisões tomadas pelo poder público, tanto na esfera municipal, quanto estadual e federal. Segundo os entrevistados, as políticas adotadas foram, em sua maioria desconexas e conflitantes. Ezeibe et al (2020) comentam acerca da importância do papel do poder público no controle da pandemia de COVID-19. Segundo os autores, corrupção, falta de planejamento adequado e improviso nas ações de combate à pandemia podem causar a ampliação da propagação da doença, incremento de mortes e comprometimento de hospitais públicos; bem como minar a confiança da população na capacidade de resolução dos governantes, podendo até mesmo comprometer a adesão dos indivíduos às ações de prevenção impostas pelo poder público. Sharif e Khavarian-Garmsir (2020) observaram que, quando a confiança dos cidadãos nas instituições sociais diminui, eles podem ser menos propensos a adotarem mudanças comportamentais, o que influenciaria diretamente as taxas de transmissão da doença.
Os principais efeitos socioeconômicos da pandemia foram apontados nas localidades onde houve a privação do uso dos espaços públicos. Embora medidas extremas, como o lockdown, tenham sido necessárias, Poli et. al (2021) destacam que o planejamento de estratégias seja uma solução para que o engajamento da população, seja sustentável a longo prazo. Iwuoha e Aniche (2020) destacam que as medidas devem ser tomadas considerando-se todas as camadas sociais, uma vez que as populações mais pobres tendem a ser aquelas que possuem menos recursos e que vivem em situações de maior aglomeramento social.
As medidas governamentais adotadas nestas cidades foram semelhantes e não houve aplicação de medidas adaptadas e direcionadas para seus territórios e contextos socioeconômicos, portanto, surge a importância da estruturação de uma política de emergência que abarque as experiências adquiridas para aumentar a capacidade de resiliência das cidades.
Outros aspectos apontados foram o aumento do desemprego, falência de negócios e dificuldades enfrentadas diante da adaptação à educação à distância. Nesse sentido, os processos educacionais encontraram o desafio de sua continuidade em uma modalidade incomum.
A falta de infraestrutura digital também foi apontada como responsável pela maior exposição de trabalhadores diante os períodos mais críticos da pandemia. As dificuldades de manutenção de renda e o desemprego gerado pela pandemia e ações de isolamento foram apresentadas por Samanca e Vargas (2020); Sharif e Khavarian-Garmsir (2020) e Iwuoha e Aniche (2020). Segundo os autores, os maiores afetados por estes efeitos foram os trabalhadores informais e aqueles que não possuíam condições de desenvolver suas atividades profissionais à distância.
Os efeitos na saúde mental, ao longo da pandemia, em diferentes grupos, foram citados nos discursos analisados. Para os escolares, por exemplo, o efeito do confinamento se refletiu em dificuldades de socialização, relacionamentos intradomiciliares conflitantes e dificuldades de aprendizagem. Na cidade de Medellín, houve casos de suicídio que estão sendo estudados para obter números que nos permitam compreender a dimensão do fenômeno. Estes comportamentos foram discutidos por Sharif e Khavarian-Garmsir (2020). De acordo com os autores, países em que o contato interpessoal entre os habitantes consiste em uma característica comportamental e cultural apresentaram grande dificuldades em aderirem as ações de isolamento impostas pelas autoridades sanitárias.
5. Conclusões
Observou-se que as cidades de São Paulo e Medellín apresentaram visões semelhantes entre os seus cidadãos diante dos impactos em que suas cidades sofreram com a atual crise. Os respondentes apontaram grandes prejuízos em relação à empregabilidade e às pequenas e médias empresas em decorrência das medidas de restrição de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, assim como às restrições de mobilidade impostas nas cidades, que contribuíram para que as medidas governamentais destas cidades fossem questionadas em relação aos critérios adotados, visto que, culminaram em um efeito indesejado de aglomeração dos transportes públicos.
Em São Paulo ficou evidente, pelas análises e pelos discursos, a descoordenação entre as medidas adotadas entre as esferas governamentais, enquanto, em Medellín a preocupação destacada foi em relação à corrupção e ao improviso diante da pandemia pela COVID-19.
Desta forma, as ações individuais de proteção à contaminação aparecem com importância diante da contenção da pandemia e da impossibilidade de isolamento social, demonstrando um sintoma de crise no relacionamento entre os governos municipais e seus cidadãos. Por se constituírem cidades relativamente grandes e densas, a quantidade de trabalhadores dos serviços considerados essenciais também é maior, dificultando o cumprimento das determinações de isolamento social.
Nota-se ao longo deste estudo que a tecnologia permitiu mitigar os impactos da crise sanitária da população de uma forma geral. Foi possível também constatar indícios de uma transformação digital forçada, caracterizada por divulgação nas redes sociais, negociações por meio de aplicativos de troca de mensagens, pagamentos eletrônicos, e entregas por meio de serviços de aplicativos, o que contribuiu para a sobrevivência dos trabalhadores informais, das PMEs e o abastecimento da sociedade em tempos de pandemia.
No entanto, muitos dados, tempo e recursos são necessários para aproveitar as vantagens da tecnologia em uma cidade inteligente. Assim, a função da cidade inteligente deve estar intimamente ligada às necessidades locais e aos recursos disponíveis. Desta forma, mesmo se as tecnologias de cidades inteligentes estiverem prontamente disponíveis, elas não são mais eficazes do que as boas práticas de higiene e recomendações de distanciamento social.
Com as restrições rigorosas de mobilidade, os serviços de entrega cresceram e as compras online foram fortalecidas, porém, na educação os impactos sentidos foram negativos, com a perda de qualidade no ensino remoto. Ambientalmente, houve benefícios com as restrições no sentido de reduzir a emissão de gases de efeito estufa com a paralisação das atividades comerciais e industriais e, por outro lado, o aumento do consumo energético dentro das residências.
As cidades estudadas têm em comum o apontamento da superlotação dos transportes públicos, a adoção de medidas de restrição desordenadamente e a fragilidade socioeconômica de suas sociedades, o que podem ter contribuído para à alta taxa de transmissão da doença. É importante enfatizar que os transportes que já eram sobrecarregados, com os efeitos das restrições das atividades econômicas, se tornaram alvos de críticas devido à incompatibilidade com as regras impostas. Sendo assim, as medidas de restrição adotadas pelos governantes resultaram em diferentes impactos entre as cidades estudadas e a crise atingiu particularmente os menos privilegiados.
Portanto, percebe-se a importância da adoção e fiscalização de medidas de contenção da pandemia e a adaptação dessas medidas para os diferentes contextos das cidades impactadas, considerando as fragilidades e potencialidades de cada território e sociedade. Consequentemente, essa pesquisa demonstra ser necessário desenhar soluções em planejamento urbano que permitam maior acessibilidade à melhores condições de vida para a população, com maiores possibilidades de proteção à saúde e suporte às atividades econômicas e educacionais nas diferentes comunidades. Dessa forma, o poder de resiliência das cidades se deve, em grande, parte às dinâmicas de cooperação e condições das comunidades, para que então, as capacidades destas comunidades gerem capital social, demonstrando assim a sua possibilidade sobrevivência, com a qualidade anterior, à eventos extremos como a pandemia pela COVID-19.
Como sugestão para trabalhos futuros, os pesquisadores sugerem a continuidade das entrevistas conduzidas; todavia que estas sejam adaptadas para a avaliação dos efeitos pós-pandemia e como os cidadãos das cidades estudadas (São Paulo e Medellín) avaliam a retomada das atividades econômicas e cotidianas. Para se obter uma análise mais global, outros países com nível de desenvolvimento equivalente a Brasil e Colômbia poderão ser prospectados, o que consistiu no principal limitante desta pesquisa.
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